Para entendermos o que
são os filhos de Deus em Cristo, é preciso explicar sobre a eleição de Jesus, o
Filho de Deus. O Antigo Testamento destaca a eleição de Cristo (Is 42.1-9;
49.1-7; 50.4-11). Semelhantemente, o Novo Testamento fala do mesmo tema no relato
de Lucas, quando uma voz diz a Pedro, Tiago e João: “[...] Este é o meu filho,
o meu eleito; a ele ouvi” (Lc 9.35). “O plano de Deus de eleger indivíduos
unidos a Cristo pela fé para formar um povo para si passa necessariamente pela
eleição do seu próprio Filho, como o primeiro eleito”.
Em Jesus, todos quantos
creem em seu nome se tornam filhos eleitos de Deus. Essa eleição não é
especificamente de indivíduos. A eleição bíblica expressa uma escolha
corporativa, que nesse caso é a Igreja. Para os indivíduos fazerem parte dessa
corporação eleita, há necessidade de crer na pessoa de Jesus para assim se
tornarem filhos de Deus.
Mesmo no tempo da Lei,
alguns homens eram conhecidos como filhos de Deus (Dt 32.6,19). Paulo nunca
descartou essa verdade, mas a revelou, quando disse “... que todo tempo que o
herdeiro é menino em nada difere do escravo, ainda seja senhor de tudo” (Gl 4.1).
Não é porque o menino não
tem até então o direito da herança que deixa de ser filho. Nessa passagem, o
apóstolo lembra que quando um filho ainda não havia chegado à fase adulta,
apesar de toda riqueza de seu pai lhe pertencer, quem a administrava eram seus
tutores (4.2). Essa metáfora ilustra claramente que assim eram os crentes da
Antiga Aliança: eram herdeiros por serem filhos, mas quem governava e
administrava essa herança era a Lei, a sua tutora. “As palavras de Paulo em
Gálatas 3.23-4.7 revelam que os crentes sob a Lei eram filhos de Deus tanto
quanto o são os crentes da presente era [no tempo da Graça], A distinção que
Paulo faz não é de relacionamento, mas apenas de posição: os crentes sob a Lei
estavam na posição de filhos pequenos, sujeitos à supervisão do pedagogo (a
Lei), enquanto que os crentes hoje desfrutam a posição de filhos mais velhos,
que atingiram a maioridade legal” (SHANK, 2016, p. 117).
Essa posição de filho
dada ao cristão lhe proporcionou em Cristo o direito de clamar “aba pai”, que é
um dito aramaico que significa “papaizinho”, expressão esta que só poderia
fazer ao Pai o Filho Eleito de Deus, Jesus Cristo (Mc 14.36). Na cruz Ele
garantiu ao homem esse relacionamento com Deus (Rm 8.15; G14.6).
Não é a genética do filho
que dita a característica do pai, porém é o DNA do pai que rege a
característica genética do filho. João diz que quem é nascido de Deus herda sua
justiça (lJo 2.29), seu amor (4.7) e sua fé - neste caso, fé na dimensão de
fidelidade (5.4). O dito de João, que faz referência a quem é nascido de Deus
como alguém que não pode pecar (3.9), precisa de uma observação detalhada,
porquanto os defensores da doutrina da segurança incondicional usam esta
passagem para fundamentar sua teoria - que o homem uma vez salvo não pode cair
da graça. Shank (2016) diz que essa passagem não quer dizer “não pode cometer
pecado”, porque contrariaria o contexto da carta (lJo 1.8-2.2) como toda a
doutrina da salvação. O jeito correto de entender essa expressão de João é que
esse nascimento não é um nascimento pontual, mas um viver permanente. Enquanto,
o cristão estiver em um viver contínuo em Deus logicamente não estará na
prática do pecado. Se for pontual e não contínuo haverá uma contradição.
Portanto, a tradução baseada no “gegenneménos” (nascido), que está no
particípio do perfeito, ficaria da seguinte forma: “permanecer gerado de Deus”.
O perfeito traz a ideia de um resultado permanente realizado desde o início.
Enquanto o homem
permanecer no novo nascimento, certamente não haverá a possibilidade de estar
almejando voltar para sua antiga vida depravada. Vincent afirma que o dito “não
pode pecar” ou “não pode viver pecando” pressupõe que “a vida em Deus,
concebida como um ideal perfeito, exclui a possibilidade do pecado” (VINCENT,
2013, p. 289). A “tese principal de 1 João é a insistência do apóstolo de que
há condições específicas sob as quais o novo nascimento pode existir, e outras
condições específicas sob as quais não pode existir” (SHANK, 2016, p. 125).
A responsabilidade do
homem em decidir não viver na sua antiga vida de pecado automaticamente mostra
a sua permanência no novo nascimento em Deus por intermédio de Cristo Jesus. A
possibilidade de o novo nascimento existir está no homem não viver na sua
antiga vida de pecado (2Co 5.17). Possibilidade de não existir o novo
nascimento está na tentativa do homem de continuar a pecar como dantes.
Portanto, a única possibilidade de o homem herdar o Reino de Deus está no
nascer de novo (Jo 3.2).
A entonação "gennetêanoten”
significa “nascer do alto”. Traz a ideia de que o cristão tem a natureza do
Reino de Deus. Como disse Jesus, para o homem habitar o céu (Reino de Deus),
antes precisa ter a natureza de lá. Em conformidade com esse pensamento, Paulo
escreve aos cristãos de Colossos para buscarem as coisas que são de cima,
contradizendo a natureza corrompida que ele chama de natureza terrena (Cl
3.2,5). Essa natureza de cima ou do alto é o revestimento do caráter de Deus
(Cl 3.12-17).
Artigo:
Natanael Diogo Santos