Todos os estudiosos concordam que Lucas não foi uma testemunha ocular dos eventos relatados em seu primeiro livro. Está muito óbvio que, quem quer que Lucas fosse, certamente ele era da Diáspora; muitos estudiosos citam sua aparente falta de contato direto com a geografia galileia, e provavelmente ele não sabia o idioma aramaico.
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Além disso, Lucas escreve
pelo menos uma geração após os eventos que dominam seu Evangelho (e até mais
tempo após aqueles que ele relata em suas narrativas da infância). Embora uma
minoria substancial de estudiosos continue a datar Lucas-Atos nos anos ,
alegando que Lucas omite a morte de Paulo porque ela ainda não ocorrera quando
ele escreveu, e um número menor data a obra, ou parte dela, no início do século
II, a maioria dos estudiosos prefere as três últimas décadas do século I, com a
maior parte desta agrupando-se nos meados dos anos 70-90.
Assim, presumidamente,
Lucas não conhecia de primeira mão nenhum dos eventos relatados em seu
Evangelho; contudo, ele provavelmente escreveu durante o período de vida de
algumas das testemunhas oculares. Ao passo que ninguém argumenta que Lucas foi
uma testemunha ocular dos eventos no Evangelho, outras linhas de evidências
podem ajudar-nos a reconstruir a natureza da informação sobre Jesus que teria
estado disponível para ele; o grau de liberdade que Lucas pode ter sentido para
adaptar informações ou para "preencher" as que ele não tinha; e as
expectativas do público do século I com respeito à natureza das alegações da
verdade de Lucas. Na busca de respostas para essas questões, focarei em dois
pontos principais: primeiro, o gênero da obra de Lucas; e segundo, as
informações explícitas apresentadas em seu prefácio.
O GÊNERO DE LUCAS
Muitos estudiosos
argumentam, de modo persuasivo a meu ver, que Lucas escreve uma obra em dois
volumes que inclui tanto biografia quanto historiografia. Assim, tratar os dois
livros em conjunto requer uma breve exploração do caráter da historiografia
antiga e de onde Lucas-Atos situa-se no âmbito maior de seu gênero.
Biografia e História
Através da obra de
Charles Talbert, Richard Burridge, Dirk Frickenschmidt e outros, uma maioria de
estudiosos agora vê os Evangelhos como "lives" ou biografias antigas.
mente oferecer um
tratamento tópico em vez de cronológico. Os Evangelhos não são biografias
modernas; não obstante, está claro que eles, de fato, encaixam-se nas características
de biografia antiga, como obras em forma de prosa com foco na vida ou em uma
parte significativa da vida de um personagem principal. No início do império,
tais obras dependiam fortemente de informações prévias; incidentes relatados
dentro do período de viva memória (i.e., de dentro de uma geração das últimas
testemunhas oculares) correspondentes no caso ideal com os eventos reais.
O fator complicador no
caso da obra de Lucas é que ela consiste de dois volumes, o segundo dos quais
não é naturalmente (apesar de alguns argumentos valiosos em contrário) uma
biografia. O livro de Atos não foca em um único personagem (apesar da
proeminência de Pedro e, especialmente, Paulo); embora os paralelos entre esses
personagens e Jesus no Evangelho realmente permitam comparações com o gênero
biográfico antigo das "vidas paralelas", a falta de uma figura única
dominando todo o segundo volume toma improvável a alegação de que o volume é
biográfico em si mesmo (embora ele possa ser uma história biográfica ou uma combinação
desses gêneros). O livro de Atos encerra-se não com a morte de Paulo como uma
biografia deveria, mas, de modo mais positivo, com ele dando sequência à sua
missão no coração do império.
Enquanto o consenso no
estudo dos Evangelhos parece considerá-los como biografias, no caso de Atos,
ele mostra-se mais inclinado à forma de historiografia. Os estudiosos oferecem
uma variedade de propostas quanto ao foco (e.g., político), modo (e.g.,
apologético) ou forma (i.e., uma "monografia" de um volume tal qual
as obras de Salústio), mas (seguindo os respeitados passos de Dibelius e
Cadbury) a maioria dos estudiosos reconhece a historiografia de uma forma ou de
outra como o gênero de Atos (com a biografia milímetros à distância e outras
propostas, tais como romance e épico, seguindo muito atrás). O uso de discursos
interpretativos, o foco nos eventos históricos, o uso ocasional de
sincronização com a história externa e outros elementos apontam todos nesta
direção.
Embora os dois livros
possam diferir de algum modo nas particularidades do gênero, a unidade
narrativa das duas obras atrairia quaisquer auditores atentos a ouvi-los
juntos. Enquanto em si mesmo o Evangelho é biografia, como parte da obra em
dois volumes de Lucas, o Evangelho toma-se um componente biográfico em uma
história mais ampla, assim como autores de histórias multivolumosas poderiam
dedicar um volume inteiro ou uma seção completa a um personagem particularmente
proeminente. Essa conexão convida-nos a examinar a abordagem historiográfica de
Lucas.
Historiografia Antiga
Como os historiadores
relatavam histórias coesas e não simplesmente recitavam anais, a retórica era
essencial para seus projetos. Alguns se permitiam embelezamento retórico mais
do que outros, porém todos estavam interessados em composições coesas. Até
Políbio opinou que os historiadores devem proferir juízo sobre se as pessoas ou
os indivíduos merecem louvor ou crítica (Políbio 3.4.1).
Ao escreverem narrativas
coesas, os historiadores antigos não sentiam que estavam trazendo injustiça ao
seu material. Ao contrário, eles muitas vezes acreditavam que a divina
providência tinha criado os padrões observados por eles na história. Quando
Plutarco compôs "vidas paralelas", labutou para encontrar os
personagens mais próximos e argumentou que a própria natureza forneceu detalhes
o suficiente para observadores atentos discernirem os paralelos. Enquanto
selecionava pontos especialmente úteis para os paralelos, ele não obliterou
todas as diferenças entre os personagens; analogamente, não deveríamos esperar
as comparações de Lucas entre seus principais personagens para obliterar sua
tradição.
Por mais dramáticas as
liberdades em detalhes tomadas por alguns autores (em especial, os mais
sofisticados retoricamente), a maioria não inventaria eventos para criar
paralelos. Embora Lucas provavelmente pudesse ter relatado a execução de Paulo,
tivesse ele desejado, em Atos, uma viagem marítima catastrófica toma o lugar da
narrativa de paixão do Evangelho. Além dos modelos greco-romanos para
personagens e eventos paralelos, Lucas poderia ter buscado os antecedentes da
tradição bíblica, uma tradição que ele indubitavelmente respeitava como
historicamente autêntica. Portanto, não se deve opor a unidade narrativa global
de Lucas contra seu gênero ou interesse histórico.
Historiadores antigos
geralmente compunham discursos para proporcionar comentário em suas narrativas,
embora pudessem seguir o tópico ou tópicos básicos de um discurso dado na
ocasião em que eles foram conhecidos. (Essa observação é mais relevante ao
segundo livro de Lucas, já que nossas fontes geralmente confirmam que os
dizeres individuais de Jesus no primeiro livro refletem a tradição anterior.)
Historiadores antigos
também careciam do preconceito do Iluminismo radical contra o relato de
milagres e prodígios, embora alguns se mostrassem mais céticos ou críticos do
que outros (por vezes dependendo, em parte, das expectativas do público para o
qual estavam escrevendo). Os Evangelhos e o livro de Atos relatam mais sinais
(e Lucas-Atos provavelmente de modo mais claro e propício do que Marcos ou
João) do que a maioria dos antigos historiadores, mas isso é, em parte, porque
eles narram a história de um operador de milagres, o tipo de história em que
tais sinais (em oposição a guerras entre povos ou competição política entre a
elite) teriam sido importantes para a história.
Embora nenhum historiador
esteja totalmente desconectado do tema que narra, os historiadores antigos
tipicamente escreveram a partir de perspectivas morais ou religiosas
particulares mais do que se vê hoje em dia. Até entre os melhores
historiadores, estes poderiam incluir vieses nacionalistas; historiadores
"responsáveis" também procuraram inculcar lições morais através da
forma como eles recontaram a história36 e acreditaram que os oradores e
estadistas poderiam redirecionar esses exemplos no serviço público.
Historiadores e biógrafos
poderiam empregar excursos de narrativa claros para articular as suas
perspectivas. Da mesma forma, a historiografia judaica valorizou o elemento
interpretativo. A historiografia antiga geralmente incluía a prática epidíctica
de atribuir louvor e culpa.
De forma relevante a
Lucas-Atos, historiadores antigos podiam incluir lições teológicas, e a maioria
acreditou que eles discerniam a direção da divina providência em alguns padrões
na história. Os antigos realmente reclamavam das vieses — normalmente aquelas
de outros historiadores. Assim como outros historiadores, Lucas poderia moldar
seu material a partir de suas próprias perspectivas teológicas, políticas,
apologéticas e outras em grau muito maior do que comumente se aprova para a
historiografia moderna.
Historiadores e
informações antigos.
Dessa forma, a
historiografia antiga era um gênero um tanto diferente de seu descendente
moderno. Contudo, o ceticismo de que "a designação 'historiador significa
algo em termos de acuracidade histórica" está superestimado; se não
representou nada a respeito de conteúdo exato, nós não poderíamos extrair
distinções entre historiografia antiga e romances e, consequentemente, não
saberíamos quase nada da Antiguidade.
Luciano escreve que os
bons biógrafos evitam lisonjas que falsificam eventos (Hist. 12) e somente maus
historiadores inventam dados (e.g., Hist. 24-25). Embora ele tivesse
anteriormente elogiado uma figura em um encómio, Políbio insiste na
historiografia atribuindo de modo apropriado louvor e culpa, de acordo com as
ações de uma pessoa (Políbio 10.21.8). O fato de os historiadores poderem
escrever com interesses teológicos, políticos ou outros não requer que
suponhamos que eles inventaram todas as suas informações!
Até mesmo a abordagem
apologética e retórica de Josefo geralmente não eliminava a substância básica
das histórias bíblicas e outras que ele reconta. Quando Josefo retrata a morte
de Agripa de acordo com as convenções trágicas e usa a coruja como presságio
(Ant. 19-346), Josefo toma suas liberdades como um historiador retórico
(mostrando-se muito mais interessado na retórica helenista e nas convenções
trágicas do que Lucas); porém, ele não inventa a morte de Agripa naquela
ocasião. Clare Rothschild oferece uma avaliação justamente equilibrada e
centrista: historiadores, que, como oradores, alegavam que eles punham a
verdade acima do estilo, variavam em suas preferências, mas, sobretudo, lidavam
tanto com a informação quanto com sua apresentação persuasiva.
Os intelectuais muitas
vezes consideraram a história como fonte de prazer e entretenimento.
Naturalmente, os romances também eram distrações, mas, como Gregory Sterling
ressalta com respeito ao segundo livro de Lucas, "o propósito do livro de
Atos era entreter ou informar de forma distrativa?" Diferentemente dos
escritores em outros gêneros, o principal interesse dos historiadores era
tornar a verdade acessível ao domínio público. Considerando que os romances
tinham como propósito primordial o entretenimento, os historiadores acreditavam
que eles poderiam entreter sem abandonar a verdade histórica. A Hagadá judaica (talvez
mais relevante para Mateus ou João do que para Lucas) provavelmente permitia
maior amplificação do que a historiografia helenística.
Os historiadores antigos
geralmente mostravam preocupações com a precisão dos eventos, embora nem sempre
com detalhes;54 eles poderiam criticar duramente outros historiadores por viés
ou inexatidão. Aristóteles observou que a diferença entre "história"
e "poesia" não era seu estilo literário, pois se poderia converter
Heródoto em verso caso desejasse; porém, que o primeiro relate o que realmente
aconteceu, enquanto que o último relate o que poderia acontecer. Assim, até
mesmo os historiadores mais voltados à retórica reconheceram que a investigação
histórica requeria não meramente a habilidade retórica, mas pesquisa e fatos. O
próprio Plínio, o Jovem, um orador que nunca encontrou distração ao escrever
história, insistiu que o principal objetivo da história era a verdade e a
acuracidade em vez de exposição retórica (Plínio Ep. 7.17.3); a retórica era
aceitável contanto que fosse baseada em fatos (8.4.1.) Ao passo que o nível de
retórica de Lucas é muito superior ao de Marcos, ele não é um historiador da
elite, nem seu idioma grego nem sua elaboração retórica colocam-no no mesmo
nível de Josefo, que era mais especializado retoricamente.
Historiadores antigos
eram geralmente mais críticos, com alguns deles introduzindo metodologias
críticas empregadas na historiografia até os dias de hoje. Nós frequentemente
os encontramos criticando os registros de antigos escritores; dessa forma,
Arriano muitas vezes avalia muitos registros comparando-os, observando, por
exemplo, que, se uma história proeminente é ignorada pelos primeiros escritores
na qualidade de testemunhas oculares, então ela provavelmente não é confiável.
Quando estão incertos
quanto à verdade, os escritores simplesmente apresentam diversas opiniões
correntes diferentes sobre o que acontecera. Os historiadores também
reconhecem que as fontes mais próximas da época dos eventos registrados eram
muito provavelmente mais precisos do que os registros sobre o passado
dis-tante; esse critério é importante para Lucas, que escreve, talvez, em um
intervalo de somente meio século após os principais eventos de seu evangelho e muito mais próximo da conclusão de Atos.
Avaliando a Prática Historiográfica de Lucas
Entretanto, alguns
historiadores antigos foram muito mais cautelosos com informações históricas do
que outros. Onde Lucas encaixa-se nesse conjunto? Resumirei aqui algumas
observações que poderiam ser desenvolvidas em detalhes muito maiores, mas que
considero bastante manifestas para estudantes da literatura de Lucas. Em
primeiro lugar, os desafios históricos de Lucas surgem onde poderíamos
esperá-los da historiografia antiga. Quando o doutor da lei Gamaliel mostra-se
tão sábio que ele menciona um líder revolucionário que ainda (se Josef o
estiver correto) não tinha surgido (At 5.36), essa afirmação aparece não em um
simples discurso, mas em um discurso a portas fechadas para o qual Lucas não
oferece testemunhas.
Em segundo lugar, em
contrapartida, Lucas mostra-se preciso em um ponto em que esperaríamos mais de
um bom historiador antigo. Assim, por exemplo, as narrativas na primeira pessoa
do plural, as quais alegam informações de testemunhas oculares, frequentemente
oferecem as cenas e sequência mais detalhadas em Atos. Onde quer que as cartas
de Paulo proporcionem uma sequência cronológica dos eventos da vida e missão de
Paulo, a sequência em Atos mostra-se praticamente idêntica. De fato, as
correspondências das informações consideráveis ainda nos primeiros capítulos de
Atos com fontes externas são notáveis.
Em terceiro lugar, como
qualquer estudante que trabalhe por meio de uma sinopse dos Evangelhos
reconhece, Lucas apossa-se de muito material de Marcos e de outros materiais
compartilhados com Mateus. Embora Lucas regularmente refine a gramática de
Marcos, ele normalmente retém a essência da narrativa e dos dizeres de Marcos
nas partes em que usa o Evangelho de Marcos. Para supor que Lucas
engajar-se-ia em um método diferente de fabricação no atacado nas partes em que
não podemos verificá-lo, deve-se pressupor que Lucas poderia prever quais
fontes continuariam existindo. Os historiadores tinham considerável liberdade
para moldar seu material em narrativas coesas; eles não esperavam que cada um
exercesse tal liberdade para fabricar eventos. Certamente, a fabricação de
eventos no atacado é um crime do qual Políbio nem acusa Timeu (que compartilhou
a expectativa de que a história lida com fatos). Neste ponto, será útil voltar
ao prefácio de Lucas, que oferece expectativas específicas para sua própria
obra.
PREFÁCIO DE LUCAS
Único dentre os
Evangelhos, Lucas oferece o que aparenta muito como os prefácios encontrados em
histórias, um prefácio que (com a maioria dos estudiosos) presumidamente inclui
seus dois volumes em seu âmbito. Que esse prefácio inclui a afirmação de Lucas
de investigar ou ter grande conhecimento de sua informação (Lc 1.3) enquadra-se
em obras históricas (Tucídides 1.22.2); seu uso ocasional da primeira pessoa do
plural (veja comentário sobre At 16.10) enfatiza o envolvimento considerado
ideal para um bom historiador helenista.
O que quer que seja dito
do estilo do prefácio, o conteúdo que ele promete para a obra é significativo.
Uma boa introdução deve resumir o que deve vir na sequência, e o sumário de
Lucas do que se seguirá é explicitamente histórico: "pôr em ordem a
narração dos fatos que entre nós se cumpriram" (Lc 1.1,3). De igual modo,
seu propósito explícito é confirmar o que Teófilo ouviu acerca desses eventos
(1.4). "Dada esta afirmação da questão", Callan ressalta: "está
quase óbvio que o prefácio de Lucas-Atos parece-se muito com o prefácio de
histórias" em termos de conteúdo. Diversos estudiosos apontam para um
conglomerado de linguagem no prefácio de Lucas conhecida de outros prefácios
históricos. (Até mesmo Loveday Alexander, que argumentou que o prefácio do
Evangelho parece-se com um prefácio científico, consente que a obra pode ser
historiográfica, porém do tipo mais científico e menos retórico.)
Fontes
Lucas observa que
"muitos" já tinham escrito antes dele (Lc 1.1), fontes, pelo menos de
algum modo, mais próximas do que ele do tempo dos eventos relatados.
Esperava-se que historiadores antigos usassem fontes e não fossem comedidos em
informar os leitores de seu uso onde fosse relevante. Lucas não especifica as
suas fontes, talvez, em parte, porque ele escreve em um período mais próximo
dos eventos do que a maioria dos historiadores que citam fontes conflitantes;
porque escreve uma história popular e não elitizada; ou porque ele depende de
memória coletiva (cf. "que entre nós se cumpriram", Lc 1.1). As
"potencialmente" muitas fontes de Lucas incluem, pelo menos, Marcos
e, creio eu, naquilo que é, provavelmente, a opinião da maioria,
"Q"82,83 bem como outras fontes que não mais existem.
Em Lucas 1.2,
ele menciona a transmissão da tradição oral, que tanto precedeu quanto procedeu
concorrentemente com a escrita de documentos. Quão precisamente os discípulos
poderiam ter lembrado e transmitido os ensinamentos de Jesus? A educação básica
na Antiguidade enfatizava a memorização, embora, em um nível avançado, a
paráfrase também fosse esperada. (Até mesmo a simples transmissão oral tornaria
natural as muitas variantes em nossas fontes; à parte de alguns aforismos
simples, a memória tanto psicológica quanto social geralmente preserva o que
eles retêm em essência em vez da forma integral.)
Do mesmo modo,
esperava-se que os discípulos nas escolas gregas transmitissem os dizeres dos
fundadores por gerações. Nossas fontes remanescentes de educação judaica em
todos os níveis também enfatizam a memória. A repetição constante era um
importante princípio na confirmação da memória dos discípulos. Alguns
estudantes poderiam vir a discordar de seus professores, mas sempre lhe deviam
respeito e a exata representação dos seus ensinamentos. O ônus da prova
deveria, assim, ficar com aqueles que supõem que os discípulos de Jesus (apesar
de seu respeito elevado por Ele) mostraram-se muito mais negligentes com suas
palavras do que a primeira e a segunda geração de estudantes da maioria dos
outros professores do século I.
Os discípulos gentios
tipicamente tomavam notas do que seus professores diziam; algumas vezes até
publicavam, ocasiões em que os próprios professores estavam registrados como
certificadores da exatidão do conteúdo. (Reconhecendo que os estudantes tomavam
notas, muitos também os aconselhavam a internalizar os ensinamentos da mesma
maneira.) Inclusive os estudantes judeus, que enfatizavam especialmente as
transmissões orais, poderiam tomar o mínimo de notas, caso fosse necessário
estimular suas memórias. Se qualquer dos discípulos de Jesus teria sido capaz
de assim proceder é uma questão em aberto, mas, pelo menos a priori, não se deve
descartar o uso de notas mínimas na presunção de um analfabetismo galileu
difundido. Em algumas escolas, os discípulos aprendiam puramente na forma
verbal, de modo que até mesmo os estudantes essencialmente iletrados poderiam
aprender.
As testemunhas oculares,
que Lucas menciona aqui como fonte dessas tradições, permaneceram nas posições
de liderança da igreja durante a maior parte do período das transmissões
principalmente orais das histórias (cf. 1 Co 15.5-7 com Gl 1.18-19; 2.9).
A Familiaridade de Lucas com as Informações
Em 1.3, Lucas alega estar
"minuciosamente informado" dos eventos que narra fytâtotoufhêkoti),
linguagem usada para afirmar a familiaridade com os registros prévios e
fiabilidade do escritor quanto ao tema. Investigações das fontes, incluindo
viagens para entrevistar testemunhas, faziam parte da melhor tradição da
historiografia helenística. Nem todos os historiadores atendiam esse padrão;
entretanto, especialmente os historiadores ocidentais ou historiadores cujos temas
estendiam-se a terras distantes. Como Teófilo e seu círculo mediram Lucas por
esses padrões?
A chave pode estar na
aparente alegação de Lucas da participação em algumas partes de seu relato. O
pronome "nós" aparece com parcimônia; Lucas não diz ser alguém que
tenha participado tanto quanto, por exemplo, Políbio. Esperar-se-ia que um
"nós" fictício aparecesse de modo mais difuso, em vez da aparição
incidental em Trôade, saindo de Filipos (At 16.10-16), e retomando somente
alguns anos mais tarde, novamente em Filipos (20.6-21.18; 27.1-28.16).
Poder-se-ia esperar o "nós" em mais pontos-chave onde seria útil
(isto é, em Atos 2 ou 10). O elemento "nós" está entre o material
mais detalhado no livro, servindo como narração de testemunha ocular. Ele está
também consistente com uma expectativa potencialmente sugerida no prefácio de
Lucas.
Geralmente, como as
perspectivas de Lucas diferem das de Paulo, estudiosos questionam se Lucas foi
genuinamente um companheiro de viagem de Paulo. Contudo, qualquer um de nós,
professores, sabe por experiência que nossos estudantes nem sempre se saem a
nós; um companheiro ocasional de Paulo poderia respeitá-lo grandemente sem
compactuar com todas as suas perspectivas ou até mesmo entendê-lo de forma
plena. Algumas das diferenças teológicas alegadas, entretanto, resultam de uma
má leitura protestante tradicional de Paulo.
Alguns discutem que o
elemento "nós" reflete uma fonte escrita tal como um itinerário de
viagem. Tal fonte é certamente plausível, mas não explica por que Lucas teria
conservado sua narração na primeira pessoa apesar de sua falha em preservar
tais marcas em quaisquer outras fontes, mesmo quando elas registram material de
testemunha ocular (Lc 1.2). Se Lucas simplesmente não caiu em um repentino erro
de edição nesses (e, precisamente, nesses) pontos, o "nós" inclui ele
próprio ou deve representar uma ferramenta literária que seu público teria
reconhecido.
A proposta de uma
ferramenta literária para um "nós" fictício, entretanto, carece de
paralelos corroboradores. A alegada convenção da primeira pessoa para
narrativas de viagens marítimas não apresenta evidência corroborativa
adequada; a proposta de uma ferramenta literária fictícia também é improvável
em termos gerais. Obras inteiras (como as epístolas e os apocalipses Cínicos)
poderiam ser pseudônimas, mas Lucas não se identifica por acaso, e Teófilo
parece conhecer sua identidade.
O classicista Arthur
Darby Nock encontrou, no máximo, um único uso de um "nós" fictício,
exceto em ficção óbvia; ele concluiu que as narrativas empregando
"nós" eram reminiscências genuínas de testemunha ocular. Dessa forma,
muitos acreditam que, se Lucas emprega um roteiro de viagem, ele inclui as suas
próprias notas; que Lucas afirma ter estado presente nas ocasiões marcadas pelo
"nós"; e/ou que essa seção inclui suas próprias reminiscências
pessoais de Paulo. Fato de atribuirmos a exatidão da afirmação a praticamente
todo historiador que a fez, mas ainda permanecermos céticos quanto ao caso de
Lucas, pode revelar mais sobre nossa guilda do que sobre o próprio Lucas.
Nesse caso, ele parte
para a Judeia com Paulo em 20.5-21.18 e deixa a Judeia até dois anos mais tarde
em 27.1-28.16. Embora a maior parte daquele tempo tenha sido passada em
Cesareia, Lucas teria tido a oportunidade de tomar-se "minuciosamente
informado" dos eventos na Judeia que ele descreve.
Que a pesquisa de Lucas
serve a um propósito sobretudo confírmador (1.4) sugere que Lucas, no fim, não
chega a conclusões tão longe de suas fontes, que, ao que parece, circulavam
amplamente. Em contraste aos estudiosos paulinos, alguns estudiosos dos
Evangelhos subestimaram a rede de contato dos primeiros cristãos em todo o
império, insistindo em comunidades teologicamente isoladas plenamente
hipotéticas. Quaisquer que sejam as liberdades composicionais de Lucas para
produzir uma obra coesa e atrativa, ele faz uso de informações prévias e bem
conhecidas. Ele não interpreta os conflitos do seu próprio dia ou até os do seu
herói Paulo (e.g., compartilhando refeições com os gentios; hábitos
alimentares; ou circuncisão para os gentios) nos dizeres de Jesus, os quais, ao
contrário, podem frequentemente se revelar originários de suas fontes (Marcos,
"Q" e, supostamente, outros não mais existentes). Ao passo que não
precisamos esperar que sua abordagem à pregação apostólica seja de igual modo
conservadora, muito do material era ainda mais recente, e sua participação, mais
completa.
REFLEXÕES CONCLUSIVAS
Neste breve estudo,
esforcei-me para demonstrar que o gênero escolhido por Lucas e suas intenções
expressas leva-nos a esperar que ele lidou de forma precisa, pelos padrões de
sua era, com os recursos que lhe eram disponíveis. Lucas tem intenção
historiográfica (bem como biográfica); enquanto a historiografia antiga tinha
interesses retóricos e literários essenciais, ela também focava em informações.
Lucas indica que fez uso de várias fontes orais e escritas que não estão mais
disponíveis para nós, mas cuja maioria estava disponível para examinação em seu
próprio tempo.
Dada a brevidade do
espaço, abordei outras duas questões somente de modo superficial, por isso as
menciono sucintamente aqui. Primeira, quão bem Lucas executou suas intenções
históricas? Ensaios inteiros abordam os casos de teste, examinando como ele
emprega suas fontes (no Evangelho, Marcos e Q) e como seu registro compõe-se
com as fontes primárias que tratam dos mesmos eventos (para Atos, cartas de
Paulo). Embora vejamos adaptação em ambos os casos, a essência dos eventos e,
no Evangelho, até mesmo os dizeres permanecem. Lucas certamente adapta seu
material para um público helenista (e.g., simpósios), mas não ofusca Jesus, o
sábio judeu (com tradicionais aforismas, parábolas e assim por diante), profeta
e Messias. Na verdade, embora a linguagem de Mateus retenha mais frequentemente
muito do seu sabor judaico-palestino original, Lucas, às vezes, até expõe
maiores detalhes com respeito às fontes, tal qual, de modo mais frequente, ao
distinguir entre fariseus e escribas (Lc 11.42,45-46; Mt 23.13-29) e oferecer
um retrato mais pormenorizado dos fariseus. Pelos padrões da historiagrafia
antiga, acredito que Lucas permanece próximo a suas fontes.
Segunda, considerando que
Lucas conscientemente empregou suas fontes, quão precisas eram essas fontes? O
tratamento dessa questão pertence estritamente a outros ensaios, e, portanto,
comentarei apenas brevemente. Tendo em mente que as fontes de Lucas
precederam-no (e as fontes que tinham alcançado a maior atenção até o seu tempo
provavelmente o precederam por muitos mais anos), é provável que muitas dessas
fontes vieram da primeira geração, quando algumas testemunhas oculares
permaneciam vivas e em posições proeminentes na igreja. Assim, creio que uma
dose saudável de ceticismo é admissível em respeito às alegações da rápida
amnésia da igreja no século I. Com W. D. Davies, é útil observar que,
provavelmente, apenas uma geração "separa Jesus do último documento do Novo
Testamento. E a tradição nos Evangelhos não é estritamente uma tradição
popular, resultante de longos de tempo, mas uma tradição preservada por
comunidades de crentes que eram conduzidas por líderes responsáveis, muitos dos
quais testemunhas oculares do ministério de Jesus".
Se aceitarmos a hipótese
de duas fontes, ambas as fontes principais provavelmente pertencem à primeira
geração. Enquanto a reconstrução das próprias fontes dessas fontes pode ser
especulativa, a experiência da primeira geração de outras escolas greco-romanas
que nos são conhecidas sugere que a memória ainda viva de Jesus (nos dizeres e
nas histórias) teria permanecido proeminente. Nem é provável que Lucas teria
simplesmente mal interpretado um gênero de romance recente e, então, usado-o
como uma fonte principal histórica para sua própria obra; Lucas, que, assim
como Mateus, teve acesso ao Evangelho de Marcos, ao que tudo indica de ampla
circulação, provavelmente sabia muito mais sobre a origem de Marcos do que a
geração de Pápias, e a probabilidade de ele saber mais do que a nossa geração é
ainda maior. Conforme já observado, em contraste com teorias especulativas em
alguns círculos de estudiosos dos Evangelhos a respeito das primeiras
comunidades cristãs isoladas geograficamente, a academia paulina trabalha a
partir de uma base de informação mais concreta.
Muito tempo antes de
Lucas escrever (e, certamente, muito tempo antes da mais explícita rede de
contato entre os bispos do início do século II), as igrejas primitivas por todo
o império já estavam informalmente conectadas. (Na Antiguidade Mediterrânea
em geral, os viajantes regularmente levavam notícias de um lugar para outro,130
em especial os que residiam com membros de seu próprio grupo social, tais como
judeus ou cristãos ou residentes estrangeiros de sua terra natal.) Mesmo
durante os anos de plantio de igrejas por Paulo, muitas delas sabiam o que
estava acontecendo com igrejas de outras cidades (Rm 1.8; 1 Co 11.16; 14.33; 1
Ts 1.7-9). Os missionários do século I podiam falar de algumas igrejas a outras
(Rm 15.26; 2 Co 8.1-5; 9.2-4; Fp 4.16; 1 Ts 2.14-16) e enviar notícias pessoais
por outros obreiros (Ef 6.21-22; Cl 4.7-9). Além disso, as visões apostólicas
ainda tinham respeito e peso nesses círculos, mesmo quando alguns assuntos
(aparentemente não relacionados à tradição de Jesus) eram debatidos entre
aqueles na posição de apóstolo (cf. 1 Co 1.12; 9.5; 15.5,7; Gl 1.18-19; 2.8-9).
Em vista de fatores como
os analisados acima, creio que há razão para supor que Lucas não só tem
interesse em recontar informações históricas, mas que muitas das informações a
que ele teve acesso originam-se de fontes fundamentalmente confiáveis e
testemunhas oculares.
Autor: Craig S. Keener | Veja os melhores estudos Bíblicos em: www.subsidiosdominical.com
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