1. A IGREJA NO DIA DE PENTECOSTES
Nos
círculos teológicos, a questão da origem exata da
Igreja do Novo Testamento tem sido alvo de muitos debates. Alguns têm adotado uma abordagem bastante ampla, e sugerem que a
Igreja existe desde o início da raça humana, incluindo todas as pessoas que já
exerceram fé nas promessas de Deus, a partir de Adão e Eva (Gn 3.15).
Outros
apoiam um início veterotestamentário para a Igreja, especificamente nos
relacionamentos pactuais entre Deus e o seu povo, a partir dos patriarcas e
continuando durante o período mosaico. Muitos estudiosos preferem uma origem
neotestamentá-ria para a Igreja, mas neste contexto também ha diferenças de
opinião. Alguns, por exemplo, acreditam que a Igreja foi fundada quando Cristo
começou publicamente seu ministério e chamou os 12
discípulos. Sobejam os pontos de vista, inclusive o de alguns
ultradispensionalistas, que acreditam não ter a Igreja começada realmente antes
do ministério e viagens missionárias do apóstolo Paulo.
A
maioria dos estudiosos quer sejam seus antecedentes pentecostais, evangélicos
ou modernistas, acreditam que as evidências bíblicas são favoráveis ao dia de
Pentecostes, em Atos 2, para a inauguração da
Igreja.
Alguns,
no entanto, reconhecem que a morte de Cristo efetivou a
nova aliança (Hb 9.15,16). Por
isso, entendem ser João 20.21-23 a
inauguração da Igreja, como incorporação à nova aliança (João 20.29, que demonstra já serem crentes os discípulos - já estavam dentro da Igreja antes de serem
revestidos de poder pelo batismo no
Espírito Santo).
Várias
são as razões para crermos que a Igreja teve sua origem ou pelo menos foi
publicamente reconhecida pela primeira vez no dia de Pentecostes. Embora na fosse
pré-cristã Deus certamente se associasse a uma comunidade pactuai de fiéis, não
há evidências claras de que o conceito de Igreja existisse no período do Antigo
Testamento. Ao citar expressamente ekklêsia pela primeira vez (Mt 16.18), Jesus falava de algo que iniciaria no futuro ("edificarei" [gr. oikodomêsõ] é um verbo no futuro
simples, não uma expressão de disposição ou determinação).
Na condição de corpo de
Cristo, é natural que a Igreja dependa integralmente da obra concluída por Ele
na Terra (sua morte, ressurreição e ascensão) e da vinda do Espírito Santo (Jo
16.7; At 20.28; 1 Co 12.13).
Millard J. Erickson observa que Lucas não emprega ekklêsia no seu evangelho, mas a
palavra aparece 24 vezes em Atos dos Apóstolos. Este fato sugere que Lucas não
tinha nenhum conceito da presença da Igreja antes do período abrangido em
Atos.
Imediatamente após aquele
grande dia em que o Espírito Santo foi derramado sobre os crentes reunidos, a
Igreja começou a propagar poderosamente o Evangelho, conforme fora predito
pelo Senhor ressurreto em Atos 1.8. A partir daquele dia, a Igreja continuou a
propagar-se e a aumentar no mundo inteiro, mediante o poder e orientação
daquele mesmo Espírito Santo.
2. BREVE
HISTÓRICO DA IGREJA
À medida que a Igreja
crescia, no decurso dos séculos que sucederam a era do Novo Testamento, seu
caráter sofreu várias alterações, algumas das quais se afastavam muito dos
ensinos e padrões da Igreja do primeiro século. Há obras excelentes a respeito
da história do Cristianismo, que dariam ao leitor uma perspectiva mais ampla e
nítida sobre a trajetória da Igreja. Visando os propósitos específicos deste
capítulo, porém, são cabíveis algumas breves observações.
Durante a era
patrística (o período antigo dos
pais da Igreja e dos apologistas da fé), a Igreja experimentou dificuldades
externas e internas. Externamente, sofria perseguições severas pelo Império
Romano, especialmente durante os trezentos anos iniciais. Ao mesmo tempo,
dentro da Igreja desenvolviam-se numerosas heresias, que em longo prazo revelaram-se
mais desastrosas que as perseguições.
A Igreja, pela graça
soberana de Deus, sobreviveu a esses tempos árduos e continuou crescendo, mas
não sem algumas mudanças de consequências negativas. No esforço para manter a
união, a fim de melhor resistir às devassas causadas pelas perseguições e heresias, a
Igreja cada vez mais cerrava fileiras com os seus líderes, elevando a
autoridade destes. Especialmente depois de conseguirem a paz e harmonia
política com o governo romano do
século IV, a hierarquia religiosa foi subindo de categoria.
À
medida que era aumentada a autoridade e o controle dos clérigos (especialmente
dos bispos), diminuíam a importância e a participação dos leigos. Dessa
maneira, a Igreja se tornava cada vez mais institucionalizada e menos
dependente do poder e orientação do Espírito Santo. O poder do bispo de Roma e
da igreja sob seu controle foi crescendo, de modo que, próximo do fim da Era
Antiga, a posição de papa e a autoridade da organização, que começava a ser
chamada Igreja Católica Romana, se solidificaram na Europa Ocidental. A Igreja
ocidental, no entanto, separou-se e
permaneceu sob a direção de bispos chamados "patriarcas".
Na Idade Média, a
Igreja continuava seguindo em direção à formalidade e ao institucionalismo. O
papado procurava exercer sua autoridade, não somente em questões espirituais,
mas também nos assuntos temporais. Muitos papas e bispos tentaram
"espiritualizar" esse período da história, no qual imaginavam o Reino
de Deus (ou a Igreja Católica Romana) espalhando sua influência e regulamentos
por toda a Terra. Tal atitude resultou numa tensão constante entre os
governantes seculares e os papas pela manutenção do controle. Não obstante,
com poucas exceções, o
papado mantinha a supremacia em quase todas as áreas da vida.
É
certo que nem todos aceitaram a crescente secularização da Igreja e sua
aspiração de cristianizar o mundo. Houve algumas tentativas notáveis de
reformar a Igreja, na Idade Média, e de recolocá-la no caminho da verdadeira
espiritualidade. Vários movimentos monásticos (por exemplo, os cluníacos do
século X e os franciscanos do século XIII) e até mesmo leigos (os albigenses e
os valdenses, ambos do século XII) fizeram esforços nesse sentido. Figuras de
destaque, como os místicos Bernardo de Clarival (século XII) e Catarina de
Siena (século XIV) e clérigos católicos, como John Wycliffe (século XIV) e João
Hus (final do século XIV, início do século XV) procuravam livrar a Igreja
Católica de seus vícios e corrupção e devolvê-la aos padrões e princípios da
Igreja do Novo Testamento.
A Igreja de Roma, no entanto, rejeitava de modo geral essas
tentativas de reforma. Ao contrário, tornava-se cada mais endurecida na
doutrina e institucionalizada na tradição. Semelhante atitude tornou quase
inevitável a Reforma Protestante.
No século XVI, surgiram grandes reformadores que tomaram a
dianteira na revolução da Igreja: Martinho Lutero, Ulrich Zuínglio, João Calvino e João Knox, entre outros. Juntamente com seus seguidores, compartilhavam de muitas
das mesmas ideias dos reformadores que os antecederam. Entendiam que Cristo, e
não o papa era o verdadeiro cabeça da Igreja; as Escrituras, e não a tradição
da Igreja eram a verdadeira base da autoridade espiritual; e a fé somente, e
não as obras era essencial para a salvação.
A Renascença ajudara a
preparar o caminho para a introdução e aceitação dessas ideias, que haviam sido
plenamente aceitas na Igreja do século I, mas que agora pareciam radicais, na
Igreja do século XVI. Os reformadores tinham opiniões diferentes entre si no
tocante a muitas das doutrinas e práticas específicas do Cristianismo, como as
ordenanças e o governo da Igreja,
conforme estudaremos em seções posteriores deste capítulo. Mas todos eles
tinham em comum uma paixão pela volta à fé e prática bíblicas.
Nos séculos depois da
Reforma (ou era da pós-Reforma), os indivíduos e as organizações têm seguido
direções as mais variadas na tentativa de aplicar sua interpretação do cristianismo
neotestamentário. Infelizmente, alguns têm repetido erros do passado,
enfatizando os rituais e o formalismo da Igreja institucional, às custas da ênfase que a Bíblia dá à salvação
pela graça mediante a fé e à vida no Espírito.
O
racionalismo do século XVIII ajudou a montar o palco para muitos dos
ensinos modernistas e às vezes anti-sobrenaturais dos séculos XIX e XX.
Louis Berkhof declara muito acertadamente que semelhantes movimentos têm levado
"ao conceito liberal moderno de Igreja como um mero centro social, uma
instituição humana, ao invés de plantio de Deus". De uma
perspectiva mais positiva, no entanto, a era pós-Reforma também tem presenciado
reações contra essas tendências sufocantes e liberalizantes.
As reações surgiram de
movimentos que têm ansiado por uma experiência genuína com Deus, e a têm
recebido.
O movimento pietista (século XVII), os movimentos morávio e
metodista (século XVIII) e os grandes despertamentos, o movimento da Santidade
e o movimento Pentecostal (séculos XVIII-XX), todos são indícios de que a Igreja
fundada por Jesus Cristo (Mt 16.18) ainda está com vida e saúde, e que
continuará a progredir até sua segunda vinda.
Fonte: A Doutrina da Igreja. Curso Médio em
Teologia, Escola Bíblica ECB
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