Existe
um mundo habitado por seres malévolos e invisíveis que se opõem à Igreja e às
obras de Deus. São os poderes ocultos das trevas dos quais os crentes devem se
proteger pela força do poder de Deus.
A Igreja está em contínua batalha contra o reino das trevas, contra Satanás e
seus correligionários, os demônios. O engano, a mentira e o disfarce são especialidades
do diabo; ele é o pai da mentira (Jo 8.44).
As
hostes infernais dominam com muita facilidade as pessoas que não conhecem o
evangelho. Nenhuma força humana é capaz de vencê-los. Jesus disse: “porque sem
mim nada podereis fazer” (Jo 15.5).
No
último capítulo de Efésios, nos versículos 10, 11 e 12, antes de explorar as
características da armadura de Deus, o apóstolo Paulo aborda a natureza da batalha espiritual, enfatizando que só em Cristo é possível combater os poderes
demoníacos e ter vitória.
1. UMA
LINGUAGEM MILITAR CARREGADA DE METAFORISMO
Os
seis capítulos de Efésios são seis partes iguais. Os três capítulos iniciais
são teológicos, e os outros três são práticos, em uma perfeita combinação de
doutrina cristã e dever cristão, de fé cristã e vida cristã. Os três primeiros
capítulos se referem à riqueza do cristão em Cristo, e os outros três falam
sobre o andar em Cristo. Ao se aproximar da conclusão, o apóstolo introduz um
“no demais” (Ef 6.10), para se referir a uma realidade espiritual muito
importante.
Paulo
não apresenta a origem nem a biografia do príncipe das trevas; no entanto,
ensina ser importante conhecer as astutas ciladas do nosso inimigo. A epístola
termina com uma exortação para a luta contra as astutas ciladas do diabo.
O
apóstolo Paulo empregou a expressão grega tou loipou ou to loipon, traduzida
por “no demais” (Ef 6.10)? Ambas aparecem nos manuscritos e nos textos
impressos do Novo Testamento grego. Mas, as edições de Westcott & Hort,
Aland Nestle e das Sociedades Bíblicas Unidas escolheram tou loipou; o Textus
Receptus e o texto de Scriviner optaram por to loipon, o uso adverbial do
adjetivo loipós, “resto, restante, outro, demais”. O que parece ser apenas um
detalhe, à primeira vista pela grafia, faz, contudo, diferença no significado.
Tou loipou, significa, “do restante, daqui para frente” (Gl 6.17); e to loipon,
“ademais, quanto ao mais, resta, no demais, finalmente” (2 Co 13.11; Fp 3.1;
4.8; 2 Ts 3.1). O “no demais, finalmente” ou qualquer expressão similar significa
que o apóstolo está introduzindo uma seção para finalizar a epístola.
O
“daqui para frente” ou “desde agora” indica que Paulo está dizendo que daqui
para frente o conflito contra o reino das trevas será contínuo até o retorno de
Cristo, desde a sua ascensão até a sua volta. As nossas versões seguiram
Efésios 6.10 conforme o Textus Receptus: “No demais” (ARC), “Quanto ao mais”
(ARA), “Finalmente” (TB) e “uma palavra final” (NVT). Não há problema em
nenhuma dessas interpretações, pois nenhuma delas está fora do contexto. O
importante é notar que o tema dessa passagem é atual, e a peleja da Igreja
continua contra as hostes infernais.
🛑A exortação apostólica: “fortalecei-vos no Senhor
e na força do seu poder” (Ef 6.10) diz que os crentes devem buscar essa força
não neles mesmos, mas no Senhor Jesus; por essa razão, o apóstolo Paulo emprega
o verbo grego na voz passiva, endynamousthe, “sede dotados de força em, sede
fortalecidos”, do verbo endynamoo, “fortalecer em”. Esse poder não vem de nós
mesmos, mas de uma força externa, do próprio Deus.
🛑Jesus disse:
“sem
mim nada podereis fazer” (Jo 15.5). A combinação pleonástica, “força do seu
poder”, dá mais relevo ao pensamento, uma expressão que Paulo já havia usado
antes na epístola (1.19). Ele está falando sobre força e poder no campo
espiritual, não sobre força física (2 Co 10.4).
O
Senhor Jesus capacitou os cristãos, pelo Espírito Santo, para vencer todo o mal
e toda a tentação interna, os desejos da carne, e toda a tentação externa, tudo
aquilo que vem diretamente do poder das trevas. Essa capacitação envolve o
discernimento para compreender as astúcias malignas (2 Co 2.11) e também o
poder sobre os demônios (Lc 10.17, 19).
O
apóstolo Paulo vê os cristãos empenhados numa fileira de batalha espiritual
contra grande número de inimigos poderosos e cheios de sutilezas: “Revesti-vos
de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes contra as astutas
ciladas do diabo” (Ef 6.11).
O
termo grego que ele usa para “armadura” é panoplía, que significa “armadura
completa, panóplia”. Panóplia é o nome que se dá à armadura completa do
cavaleiro europeu na Idade Média e também se refere hoje a coleções de armas
exibidas para decoração. A “armadura de Deus” é uma metáfora que o apóstolo usa
para ensinar uma verdade espiritual utilizando uma linguagem militar bem
conhecida dos seus leitores originais. Mas adiante, ele descreve algumas armas
dessa panóplia com aplicação espiritual (Ef 6.13-17). São armas pesadas usadas
pelos gregos e romanos em batalhas ferrenhas. O propósito dessa armadura
espiritual é fortalecer os crentes para uma batalha terrível, contra o diabo e
suas astúcias. Por isso precisamos estar revestidos dela.
🛑 “Revestir” significa “vestir
novamente” a fim de nos tornarmos firmes e resistentes para desmantelar todos
os diversos meios, planos, esquemas e toda a sorte de maquinações do diabo que
Paulo chama de methodeia, “maquinação, cilada, astúcia”.
2. ESTE MUNDO
TENEBROSO
Depois
de mostrar a necessidade do revestimento do poder de Deus na vida do cristão
para destruir todas as maquinações do diabo, o apóstolo explica contra quem
devemos lutar: “porque não temos que lutar contra carne e sangue, mas, sim,
contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas
deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”
(Ef 6.12). Trata-se de um conflito espiritual e sobrenatural cujos inimigos a
serem vencidos são descritos pelo apóstolo.
O
termo “carne” tem vários significados na Bíblia, mas a combinação “carne e
sangue” é um hebraísmo para indicar o ser humano e só aparece mais duas vezes
no Novo Testamento:
“porque
não foi carne e sangue quem to revelou, mas meu Pai, que está nos céus” (Mt
16.17); “carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus” (1 Co 15.50). Essas
palavras aparecem juntas, porém, quando flexionadas de outra maneira “não
consultei carne nem sangue” (Gl 1.16); “participam da carne e do sangue” (Hb
2.14). Tal combinação diz respeito à pessoa, ao ser humano, à gente, que pode
ser o outro ou nós mesmos no conflito interno no sentido: “a carne cobiça
contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne; e estes opõem-se um ao outro;
para que não façais o que quereis” (Gl 5.17).
Os
termos principados e potestades, archai e exoussíai, forma plural de arché e
exoussía, aparecem juntos cerca de 10 vezes no Novo Testamento. Arché, “início,
causa”, “denota o ponto inicial, a primeira causa e poder, autoridade ou
governo” (VERBRUGGE, 2018, p. 91). É usado na Septuaginta para traduzir pelo
menos 25 termos hebraicos, entre eles ro‘sh, “cabeça, principal, chefe”, e
memshalah, “domínio, autoridade, força militar”.
No
Novo Testamento, arché é usado como “princípio” (Jo 1.1); “poder, autoridade,
governante humano” (Lc 20.12, 20; Tt 3.10) e “poder angelical” (Cl 1.16).
Exoussía, “liberdade de escolha, direito, poder, autoridade, poder governante”,
é usado no sentido secular com relação às autoridades humanas (Lc 7.8; 19.17;
23.7; Rm 13.1); mas se refere à autoridade e ao poder de Jesus (Mt 28.18; Lc
4.36) e do Pai (At 1.7). Os anjos são assim chamados (Cl 1.16), e o Senhor
Jesus conferiu esse poder aos crentes (Lc 9.1; 10.17, 19).
Com
os “principados”, archai, a ideia é de primazia no poder; as “potestades”,
exousías, denotam liberdade para agir. O apóstolo Paulo emprega o termo tanto
para os anjos (Rm 8.38; Cl 1.16) como para os demônios (1 Co 15.24; Cl 2.15)
investidos de poder.
Desse
modo, a expressão se refere a governos ou autoridades tanto na esfera terrestre
quanto na esfera espiritual. Em Efésios 6.12, o conflito não é humano, mas se
refere a seres espirituais, líderes de anjos decaídos sob as ordens de Satanás.
💡A frase “contra os príncipes das trevas deste
século” é
traduzida pela ARA como: “contra os dominadores deste mundo tenebroso”; e isso
podemos traduzir como “contra as potências cósmicas dessas trevas”. A ARC
emprega o termo “príncipes” para kosmokrátoras, de kosmos, “mundo”, e krateo,
“dominar”, portanto “regente do mundo, monarca do mundo”. Essa palavra só
aparece em Efésios 6.12 e em nenhum outro lugar do Novo Testamento,
referindo-se aos dominadores cósmicos, os espíritos malignos.
Esse
termo é usado com mais frequência nos séculos 1 e 2 d.C. na literatura da magia
e da astrologia. Nos papiros do século 4, a palavra kosmokrátor aparece como
título de divindades pagãs como Hélios, na astrologia, o mestre dos planetas no
universo; Zeus, Hermes, Serápis. A literatura judaica do século 2 emprega esse
vocábulo para “príncipe do mundo das trevas”.
O
uso plural revela que muitos desses dominadores ou príncipes estão sob comando
de Satanás. É possível que o apóstolo Paulo esteja se referindo à Diana, deusa
dos efésios (At 19.34), que os romanos chamavam de Ártemis, além de se referir às
demais divindades pagãs que representavam os demônios (1 Co 10.19-21). É
verdade que os pesquisadores nunca encontraram nenhum documento da época que
identifique kosmokrátor com Diana, porém silêncio nem sempre é sinônimo de
negação.
💡O termo grego mais usado
para “príncipe”
é archon, que
aparece 37 vezes no Novo Testamento, traduzido também como “governador” humano.
É usado para se referir a Belzebu, “príncipe dos demônios” (Mt 12.24); para
Satanás como “príncipe deste mundo” (Jo 12.31; 14.30; 16.11); e, ainda, ao
“príncipe das potestades do ar” (Ef 2.2). Mas não é esse o termo usado em
Efésios 6.12.
💡O termo grego, skotos,
“trevas, escuridão”,
é usado também na literatura clássica dos gregos para “morte” e “submundo”. A
Septuaginta emprega a palavra 75 vezes para traduzir o vocábulo hebraico,
hoshech, “trevas, escuridão”, e seus derivados no Antigo Testamento. Os termos
hebraico e grego aparecem no sentido físico (Gn 1.2-5) e também com conotação
teológica, como o lugar em que Deus não está, como mal, iniquidade, pecado,
desobediência e cegueira espiritual (Jó 19.8; Sl 82.5; 107.10; Is 9.2).
A
mesma coisa acontece no Novo Testamento: as trevas podem ser no sentido físico
como na crucificação de Jesus (Mt 27.45; Mc 1.33; Lc 23.44), mas na maioria das
vezes se referem ao pecado e à ignorância (Jo 3.19; 2 Co 6.14; Ef 4.18; Cl
1.13; 1 Jo 2.8).
O
apóstolo Paulo emprega skotos para se referir ao reino satânico. Ele especifica
os principais agentes no reino das trevas e conclui dizendo que eles formam “as
hostes espirituais da maldade” (Ef 6.12). Essa expressão refere-se aos
“espíritos malignos”, um termo presente no pensamento judaico e também no Novo
Testamento. Essas hostes são os comandantes do exército de Satanás:
principados, potestades e dominadores deste mundo tenebroso, contra quem temos
de lutar fortalecidos no Senhor e na força do seu poder e revestidos da
armadura completa de Deus (Ef 6.10, 11).
💡A expressão “lugares
celestiais”
ou “regiões
celestiais” no presente contexto nos chama atenção, pois parece indicar o céu,
o lugar onde Cristo habita, a morada dos crentes. No entanto, o apóstolo
escreve: “contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais”,
termo que aparece cinco vezes em Efésios e em nenhum outro lugar no Novo
Testamento (1.3, 20; 2.6; 3.10; 6.12).
No
mundo antigo, as pessoas acreditavam que o céu tinha diferentes níveis,
ocupados por uma diversidade de seres espirituais. No nível mais elevado,
habitava Deus com os seres mais puros. Ou seja, as “regiões celestiais” podem
significar onde Deus está ou onde estão os poderes espirituais. O sentido
dessas palavras depende do contexto em que elas aparecem. Uma referência à
esfera onde o Senhor Jesus ressurreto está assentado (1.20); onde os crentes
desfrutarão da comunhão com Jesus (2.6). Uns acreditam que não significa ser o
próprio céu, mas a região do conflito. Outros creem designar o céu onde Cristo
está sentado à destra de Deus, onde os salvos estão com Cristo (1.3, 20) e onde
habitam os anjos eleitos (3.10). A melhor explicação é que se trata da esfera
supraterrestre (Ef 2.2).
3 - CONTRA OS
PODERES DAS TREVAS
A
realidade da batalha espiritual está invisível aos olhos humanos. Para
enxergá-la e enfrentá-la, é necessário que o crente esteja firmado em Cristo e
seja conduzido pelo Espírito Santo. Não podemos esquecer que Deus é soberano
inclusive sobre as atividades malignas, por isso não há espaço para medo. É
importante que sejamos sábios em perceber a atuação do inimigo, não lhe dando
poder demais nem subestimando sua força. Nem sempre um problema existe por
causa demoníaca; às vezes é a consequência de uma má escolha ou decisão. É
fácil atribuir culpa aos espíritos maus quanto aos infortúnios da vida e
desconsiderar o peso da responsabilidade pessoal.
A
cegueira espiritual e a falta de discernimento são desafios para os servos de
Deus. No contexto da cultura brasileira, em que as manifestações de espíritos
acontecem em diversos cultos religiosos, o assunto de batalha espiritual não
parece estranho às pessoas porque é algo que se vê. Assim, os crentes
identificam com facilidade quando há uma atuação demoníaca. Mais difícil, no
entanto, é perceber a atuação do inimigo no sistema de ideias e nas estruturas
que estão fundamentadas na injustiça e no pecado.
Peçamos
sabedoria a Deus para ver o mundo espiritual de forma que possamos agir a fim
de que o nome de Jesus seja glorificado.
Fonte:
SOARES, Esequias/ SOARES, Daniele. Batalha Espiritual. O povo de Deus e a
Guerra Contra as Potestades do Mal. 1ª edição de 2018 - CPAD
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