O Fator Limite no Relacionamento Familiar

Neste sistema de vida terrena, tudo é marcado pelo fator limite (Jó 14.5). O mar possui seu limite para não inundar a terra (Jó 38.11). A terra respeita seu limite para não soterrar o mar (Jó 38.5). Os peixes respeitam os limites da vida aquática; as aves, os limites das alturas; os animais terrestres, sua peregrinação pelo solo; o sol, a sua distância da terra e de outros planetas. Todos possuem limites.

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No entanto, e os homens?

Será que os homens respeitam seus limites?

Temos nós consciência de nossas limitações?

O homem fora gerado no planeta terra, mas já pisou a lua. O homem foi criado na terra, mas constantemente explora o mar. O homem não possui asas, mas insiste em voar. Isso porque o homem foi criado com capacidades para dominar, mas, por outro lado, cai na contradição de não saber dominar nem a si mesmo. Explora os mais profundos sistemas solares, mas tem dificuldade em olhar para dentro de si mesmo. A Bíblia revela claramente que dominar a si mesmo é melhor que dominar milhares.


1. Dominador/dominado

Dentro das relações familiares, o fator limite é de suma importância para a saúde integral da família. Todas as vezes que o limite é subtraído, as relações são prejudicadas. Quando esse princípio não é observado, o ser humano invade a liberdade do outro. Deixa de elaborar uma relação por igual para dar lugar a uma relação de dominador/dominado. Em muitas relações familiares, podemos identificar a vítima e o vitimizador.

O vitimizador é todo aquele que usa de poder ou pseudopoder para subjugar o outro, desenvolvendo um papel de dominador. E a vítima é o alvo desse poder em ação. Muitas das relações existentes foram edificadas por esses dois extremos, e só subsistem pela força do dominador e pelo medo do vitimizado. A relação dominador/dominado ou vitimizador/vitimizado só é rompida com a existência de limites estabelecidos.

Todos nós sabemos muito bem que existem hierarquias que foram estabelecidas de forma salutar e que suas estruturas são responsáveis pela continuidade da ordem e da paz social. Todavia, essa estrutura hierárquica não pode ser estabelecida lançando mão de atos que firam a dignidade humana, a liberdade pessoal, muito menos a identidade individual. Tal temática ficará mais clarividente no decorrer do assunto.


2. Tipos de limites

 A priori, os limites podem ser divididos em três tipos: rígidos, difusos ou equilibrados.

O Limite Rígido se estabelece quando predominam os sentimentos de onipotência, prepotência, autoritarismo, individualismo, auto anulação, agressividade (física/psíquica) e imposição. Uma das características mais marcantes dessa rigidez é o individualismo, desdobrando-se num movimento egóico, fruto do egoísmo e do egocentrismo que está centrado na exaltação de si mesmo e na rejeição do outro. Quando esse fenômeno acontece, o personagem rígido exerce tirania sobre os demais membros da família, classificando os demais como vítimas de sua coerção. Por exemplo: “Eu sou o melhor”, “Penso melhor”, “Eu sei das coisas, você não sabe”, “Eu sou capaz e você incapaz”, “Eu posso tudo e você precisa de mim”.

O Limite Difuso é aquele no qual predominam a impotência, a incapacidade, a permissividade, auto rejeição e passividade. A pessoa desenvolve um sentimento de impotência afirmando: “Não tenho forças”, “Não posso”, “Não consigo”. A incapacidade leva a pessoa a afirmar “Sou incapaz de...”. A permissividade permite outra pessoa fazer o que quiser — “Faço o que e como você quiser”. A auto rejeição desabilita a autoproteção, desguarnecendo a vítima, já que a mesma não se considera, não se ama, se desvaloriza. E a passividade culmina num comportamento de espectador, vendo tudo à sua volta de forma inerte, paciente, legitimando o dominador em suas ações.

Em algumas famílias, até existem limites, mas eles são tão tênues que quase não aparecem e, como não são reforçados, não são respeitados. Cada componente da família agirá da forma que quer. Assim, eu posso tudo ou o outro pode tudo por mim e em mim. Diante dessas relações flácidas, pontuamos extremos; no entanto, existem gradações entre os extremos. Certo é que esse desequilíbrio gera dominados e vitimizados. Quanto mais difuso você for, mas sujeito ao dominador você será. E para alguns é cômodo permanecer debaixo desses pseudos-poderes. Aprendemos que em qualquer relação, seja ela de cônjuges, de pais e filhos ou de irmãos, os limites rígidos e difusos vão gerar grandes dificuldades nos relacionamentos, mais cedo ou mais tarde.

Por último, temos o Limite Equilibrado, que difere do Rígido e do Difuso. Nesse ripo de limite, predomina o poder de realização e de transformação. E o poder de realizar ações de transformação da própria vida ao invés de querer mudar o outro. Ações de realização de si mesmo, que concomitantemente influenciarão de maneira positiva o próximo.

No Limite Rígido, há um padrão de onipotência e prepotência, abusos de poder. No Difuso, há a impotência e permissividade. Já no equilíbrio existe o poder real, baseado, é obvio, pelo equilíbrio entre o direito pessoal e o alheio.

3. Pseudos-poderes e poder real

Quando falamos das relações com Limites Rígidos, o fundamento desses vínculos deriva-se de um pseudo-poder. Pseudo porque não é original, não é natural, é imposto; a relação não é verdadeira em sua totalidade, ainda que de fato exista, pois consiste em poderes de coerção.

Da mesma forma, quando falamos do Limite Difuso, é outra face do pseudo-poder, porque se faz legítimo na ausência de restrição do “ser vitimizado”, e não da autorização dele. Ou seja, entendemos que numa família que existam limites difusos, os membros abrem mão de seus papeis, gerando automaticamente agentes externos com pseudos-poderes e a ausência de poder real/legítimo. Diante do exposto, afirmamos que somente o real poder pode quebrar o círculo vicioso enraizado no seio de muitas famílias, permitindo a reconstrução de relacionamentos verdadeiros e saudáveis, ação esta que não se solidifica da noite para o dia, muito menos de forma fácil.

Assim, o único poder real é o de mudar a nós mesmos. Não temos o poder de mudar quem quer que seja. Quando criamos a ilusão de que temos poder de mudar os outros, entramos na onipotência e na prepotência, e nos frustramos diante da realidade da impotência. O poder verdadeiro está em realizarmos o que temos que realizar em nós mesmos. O poder verdadeiro é esse que cabe a nós realizar em nós mesmos, com o auxílio indispensável do Espírito Santo, para sermos transformados em pessoas melhores. Paulo registra a batalha que possuía para moldar-se, vencer a si mesmo, para então pregar aos outros, e não ser reprovado: “Antes subjugo o meu corpo e o reduzo a servidão...”, 1Co 9.27. Isso não significa que deixaremos os demais membros fazerem o que quiserem, mas que só teremos autorização e autoridade legítima quando laborarmos nossa própria vida de forma correta, justa, integra e amável. Só quando os outros veem em nós seres humanos melhores, começaremos a mexer com as engrenagens do sistema familiar, contribuindo para uma melhora coletiva.

Conscientizemo-nos, assim, que o poder de realização e de transformação nos farão pessoas melhores, mais equilibradas. Isso gerará autoridade ao estabelecer limites, pois difere em muito do autoritarismo, do limite rígido, do pseudo-poder. A pessoa que fala com autoritarismo fala da boca para fora, sem autoridade, porque faz esforço para exercitar aquilo que fala. Grandes líderes, pelo seu exemplo de vida, não precisam gritar para conseguir alguma coisa. Eles simplesmente pedem.

Quando o rei Davi simplesmente comentou que desejava beber um pouco de água do poço de Belém, três de seus valentes romperam em perigo, mas trouxeram-lhe a água que tanto desejava. Notem que o texto não registra que Davi mandou buscar água, nem mesmo que pediu para que buscassem, ele somente comentou de seu desejo. Davi não possuía pseudo-poder, ele havia conquistado o poder real. Ele possuía autoridade genuína.

Sendo assim, que o Senhor nos ajude a exercitar a lição de Jesus: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós”, Mt 7.12. Agindo assim, constituiremos famílias melhores, com pessoas melhores e uma sociedade saudável.


Artigo: Ivan Tadeu Panicio Junior  

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