A partir do capítulo 3
do livro de Atos, muitos milagres narrados são o principal tema deste livro e
estudo. Após a narração da descida do Espírito Santo nos primeiros capítulos, o
sermão de Pedro (At 2.14-41) e um breve relato de como os primeiros convertidos
viviam (At 2.41-47), alguns feitos da parte de Deus são registrados.
É importante,
entretanto, voltar um pouco naqueles últimos versículos do capítulo 2 e
aprender algumas coisas preciosas que preparam o ambiente para os eventos
espetaculares acontecerem. Diz-nos os versículos 42-47 do capítulo 2:
E perseveravam na
doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão, e nas orações. Em
cada alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos.
Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas
propriedades e fazendas e repartiam com todos, segundo cada um tinha
necessidade. E, perseverando unânimes todos os dias no templo e partindo o pão
em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e
caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja
aqueles que se haviam de salvar.
A primeira coisa em
que eles perseveravam era na doutrina dos apóstolos, ou seja, havia ministração
e vivência da Palavra na vida daquela comunidade. Eles voltavam-se aos
apóstolos para comunicar a eles quem era Jesus e o que Ele havia feito. Eles
apenas confiaram em Jesus; agora querem saber mais! Este é o registro inspirado
do que aconteceu naquele momento. Embora tivessem sido subitamente convertidos;
embora tivessem sido subitamente admitidos na igreja; embora tivessem sido
expostos a tanta perseguição e desprezo, além de muitas provações, ainda assim,
o registro é que eles aderiram às doutrinas e deveres da religião cristã. A
palavra traduzida “perseveravam” proskarterountes significa “assistir a
um, permanecendo ao seu lado, não deixando ou abandonando-o”. Como explica
González:
Perseverar no “ensino”
dos apóstolos não quer só dizer que eles não se desviaram das doutrinas dos
apóstolos ou que permaneceram ortodoxos. Quer dizer também que eles
perseveravam na prática de aprender com os apóstolos — que eram alunos, ou
discípulos, ávidos por conhecimento sob o comando dos apóstolos. Esse “ensino”
apostólico não estava limitado à instrução verbal, pois no versículo, somos informados
que os apóstolos continuavam a fazer “sinais e feitos extraordinários”. Para
entender completamente esse assunto a respeito do “ensino dos apóstolos”, é
importante lembrar que “apóstolo” quer dizer “enviado”, por isso a doutrina
“apostólica”, por definição, é doutrina missionária [...]. Contudo, também fica
claro que uma importante parte do ensino dos apóstolos consistia na narração e repetição
dos fatos e dizeres de Jesus, a quem os novos convertidos não tinham conhecido
pessoalmente.
Isso certamente faz a
diferença entre uma comunidade, pois o mover do Espírito Santo vem pelo ensino
sadio da Palavra de Deus. Sem Palavra, não há avivamento. No Antigo Testamento,
está escrito que houve um avivamento quando Hilquias, o sumo sacerdote do Rei
Josias, achou a Palavra (2 Rs 22.8-13) e quando Esdras e Neemias fizeram a leitura
do livro (Ne 8). Ezequiel só pôde ver vida no Vale de Ossos Secos quando a
Palavra foi proferida (Ez 37.7). Pedro estava cheio do Espírito Santo e pregou
a Palavra (At 2,3), e os discípulos saíram pregando a Palavra.
Além da Palavra, os
primeiros cristãos tinham comunhão. O termo comunhão é traduzido de
koinonia,
do grego. Essa palavra não quer dizer apenas que todos tinham um bom sentimento
de irmandade uns para com os outros, mas que também tinham o sentido de
“corporação”, “empreendimento comum”, “companhia”. Trata-se de uma
solidariedade e compartilhamento de sentimentos, de bens e atos. Não é apenas
estar juntos em um culto. Isso, na verdade, não é o momento mais propício para comunhão,
pois ali, embora juntos com os irmãos, o foco principal é a ligação ao Trono da
Graça. A comunhão pura de verdade acontecerá justamente em momentos fora disso,
onde posso compartilhar com o irmão uma refeição, uma alegria, uma dificuldade,
um momento de lazer. Talvez esse termo seja um dos mais mal compreendidos entre
nós, evangélicos, especialmente pentecostais, pois achamos que temos comunhão
somente quando vemos nossos irmãos nos dias de culto. Não é bem assim. É
preciso convivência fora desses momentos. E os jovens, em especial, precisam
buscar essa comunhão o máximo possível, pois Deus coloca e usa nossos irmãos
para serem canais de bênção uns para os outros.
O terceiro aspecto que
caracterizava esse ambiente cristão no primeiro século era o partir do pão.
Isso não quer dizer apenas que eles comiam juntos, embora isso, de fato,
acontecesse em razão da comunhão, mas refere-se à celebração da Ceia do Senhor.
Esse era o centro da adoração cristã, pois era celebrada justamente a morte de
Cristo até que Ele voltasse (1 Co 11.26).
No primeiro século,
era comum a Ceia do Senhor ocorrer praticamente em todas as reuniões. Era uma
festa regada de amor, em que o principal era relembrar o sacrifício de Jesus na
cruz, bem como sua ressurreição.
E, por fim, uma
característica muito importante e fundamental em que os primeiros cristãos
perseveravam era na oração. As orações eram uma parte comum na vida daquelas
pessoas mesmo quando pertenciam ao judaísmo.
A Cura de um Coxo
Esse episódio pode ser
dividido em algumas partes. Vejamos.
1. As circunstâncias
No começo do terceiro
capítulo, quando ocorre o milagre na vida daquele coxo, diz-nos o texto que
Pedro e João estavam subindo ao Templo para a oração. Que interessante! O
segundo capítulo termina destacando que aqueles primeiros crentes perseveravam
nas orações, e o próximo capítulo começa dizendo que dois deles iam para o
Templo orar. Ora, eram dois homens de oração indo orar — alguma coisa pode
acontecer! E o horário era às três da tarde. Ou seja, no meio da tarde, era
oferecido o sacrifício vespertino, e Pedro e João viam a necessidade de orar a
Deus.
2. O caso
Aqui se encontra o
homem, em seus quase 40 anos, coxo, mendigo. Ele pedia esmola quando, na
verdade, precisava de saúde. Ele exemplificava bem o estado de muitas pessoas
na sociedade hoje, as quais querem suprir uma necessidade, um desejo, uma
vontade imediata com coisas que vão saciá-las naquele momento. Porém, a real
necessidade delas é mais profunda, pois não percebem que estão mortas
espiritualmente e precisam de cura para suas almas.
O homem natural é
incapaz de andar com Deus. A Bíblia diz: “Ora, o homem natural não compreende
as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode
entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14).
3. A cura
É aqui que começa uma
sequência de olhares. Primeiro, o texto diz que o coxo viu a Pedro e João
entrando no templo. Muitas pessoas estão desta forma: observando muitos crentes
apenas entrando e saindo de templos. Isso é bom no sentido de que somos vistos
como crentes, porém podemos ser apenas religiosos indiferentes com aqueles que
estão justamente do lado “de fora” da vivência religiosa. Mas não foi isso que
aconteceu com aqueles dois homens cheios do Espírito Santo. Eles não foram
indiferentes com aquele homem carente.
E os olhares continuam
quando Pedro, agora, fita o coxo e diz:
“Olha para nós”. O
coxo olhava atentamente para eles esperando receber algo.
Como diz Boor:
Primeiro ele
estabelece contato pessoal com o homem, que estava acostumado a ver a multidão
de pessoas e, apesar disso, a não vê-las. Dar e receber esmolas rapidamente se
torna algo completamente impessoal.
Surpreso, o coxo
levanta o olhar até esses dois homens, que o tratam de maneira tão diferente do
que está acostumado. Será que desejam ofertar-lhe uma quantia especialmente
grande? “Pedro, porém, lhe disse: não tenho prata nem ouro”. Afinal, Pedro
havia deixado sua terra e profissão e recebia da igreja somente o necessário
pra viver. A rigor ele se encontrava na mesma situação que esse homem que se
dirigira a ele pedindo por um donativo. Apesar disso, Pedro é infinitamente
rico. Esse homem simples, sem dinheiro no bolso, na verdade é “apóstolo”, plenipotenciário de
Deus, e como tal pode dar o que as pessoas mais ricas de Jerusalém não
conseguiam compensar com seu dinheiro. “Mas o que tenho, isso te dou: em nome
de Jesus, o Messias, o Nazareno, anda!”
4. As consequências
As consequências são
as melhores possíveis, pois aquele homem que sofrera tanto agora anda, salta e
entra pelas portas que se mantinham fechadas para ele. Ele entrou com os
apóstolos no Templo louvando e adorando a Deus (At 3.8). O texto continua a
informar-nos de que todo o povo viu-o andar e louvar a Deus, e todos ali
reconheceram que era mesmo aquele que esmolava à Porta Formosa do Templo.
Então, encheram-se de admiração e assombro pelo ocorrido.
Quando o ex-coxo
ajuntou-se a Pedro e João, todo o povo correu para junto deles no pórtico,
chamado de Salomão. Sobre esse Pórtico, o Dr. Beers explica-nos:
O Templo construído
por Herodes, o Grande, era rodeado, nos quatro lados, por uma colunata ou um
corredor, coberto por um teto. A colunata do lado leste, que conduzia ao átrio
das mulheres, era chamada Colunata de Salomão, por causa de uma tradição de que
Salomão tinha um pórtico similar, aproximadamente na mesma área. Zorobabel também
pode ter sido um corredor similar ao redor do segundo Templo. Construída sobre
uma plataforma ou muro de arrimo, a Colunata de Salomão era um lugar onde as
pessoas andavam e conversavam, e onde os professores ensinavam o que conheciam.
Tinha 15 metros de largura e três filas separadas de colunas feitas de mármore branco.
As colunas tinham 12 metros de altura. Vigas de cedro formavam o telhado, e no
piso havia mosaicos de pedras, tudo no mais recente estilo arquitetônico
helênico.
Era um lugar que havia
sido proibido a ele de entrar, mas agora, curado, tudo mudou, e os lugares,
antes apenas vistos de longe, são conhecidos por ele nesse momento de júbilo. O
povo, então, fitou a Pedro e João atônitos, maravilhados. Pedro dirige-se a
eles repreendendo-os por acharem que aquilo havia sido feito por eles (v. 12).
Esse discípulo de Jesus sabia que era apenas um instrumento de Deus e que toda
a glória deveria ser dada a Jesus. Ele compreendeu aquilo que João Batista, o
que abriu o caminho para o Mestre, disse: “É necessário que ele cresça e que eu
diminua” (Jo 3.30). O apóstolo Paulo, mais tarde, também vai declarar: “[...]
fazei tudo para glória de Deus” (1 Co 10.31).