Elaine Cruz
Na vida cristã, depois da decisão pessoal de
aceitar Jesus como nosso salvador, não há nada tão importante quanto
oferecermos nossa personalidade ao controle do Espírito Santo. Mas, afinal, o
que é personalidade? Mesmo entre os teóricos e profissionais da Psicologia, a
definição nem sempre é clara. Ao longo de séculos, alguns termos têm sido
utilizados pelas pessoas com o mesmo significado, embora sejam distintos. A fim
de aprofundarmos nosso assunto, faz-se necessário definir alguns desses termos,
como personalidade, caráter e temperamento.
1. Temperamento
O
temperamento pode ser definido como a disposição individual para reagir a
estímulos emotivos, sendo influenciado também por alterações metabólicas e
químicas. Temperamento é a forma como temperamos nossas emoções, como
percebemos e vivenciamos os fatos, fazemos escolhas e nos relacionamos com os
outros.
Como
pais, sabemos que nossos filhos têm temperamentos diferentes entre si: uma criança
é mais calma, outra fica ressentida por mais tempo, e outro filho é uma alegria
e agitação constante.
Nossas
ordens também são assimiladas pela família de forma diferenciada: há filhos que
aceitam regras com mais facilidade, enquanto outros as negociam e tentam
driblá-las constantemente. Temos um exemplo claro na Bíblia de dois filhos com
temperamentos muito diferentes e que já disputavam no útero materno: Esaú e
Jacó. Eles tinham gostos distintos, sendo Esaú mais aventureiro, passando dias
longe de casa para caçar. Jacó gostava de ficar em tendas, era mais caseiro, e
possivelmente por isso mais próximo da mãe.
A
Bíblia nos revela traços de temperamento de muitos homens e mulheres de Deus,
evidenciando que, mesmo depois da conversão, mantemos os principais traços do
nosso temperamento individual, enquanto reparamos os pontos negativos. Sabemos
pela leitura bíblica que Moisés era manso, Pedro era intempestivo, Sansão era
teimoso, Davi era humilde, João era fiel, Paulo era corajoso, Jó era
persistente, e que Ester e Abigail eram determinadas.
Filósofos
como Empédocles e Hipócrates, no quinto e quarto séculos antes de Cristo, assim
como muitos médicos, fisiologistas e psicólogos, ao longo de séculos tentam
classificar os temperamentos em categorias. A mais conhecida é a divisão entre
quatro tipos.
Ø Em linhas gerais e sucintas esses tipos
são:
• Colérico: é enérgico,
independente, líder nato, autodisciplinado, audacioso, impaciente, prepotente,
intolerante e rancoroso.
• Melancólico: é habilidoso,
minucioso, perfeccionista, analítico, introvertido, sensível, pessimista,
antissocial, desconfiado, egoísta e vingativo.
• Sanguíneo: é extrovertido,
comunicativo, entusiasta, simpático, agitado, compreensível, instável,
impulsivo, egocêntrico, exagerado e indisciplinado.
• Fleumático: é calmo, eficiente,
conservador, prático, racional, tranquilo, bem humorado, indeciso, resistente,
moroso, calculista e pretensioso.
Sei
que ao ler cada um dos tipos acima, colocados aqui de forma resumida, você se
lembrou de pessoas que conhece. Mas se tentou se encaixar em um só deles,
percebeu que é impossível. Na verdade, podemos ter um dos quatro tipos como
mais predominante, mas sempre combinaremos qualidades e defeitos dos três
restantes.
Quando
nos casamos, em geral, selecionamos cônjuges que nos chamam a atenção pelo fato
de reagirem às coisas de um modo diferente do nosso. Assim, a tendência é
escolhermos pares que se completem em termos de temperamento, tornando o
relacionamento criativo e equilibrado. Imagine como seria um casal de coléricos
ou de melancólicos!
O
temperamento é inato e individual. Deve ser muito bem moldado pelos pais na
educação de seus filhos, especialmente quanto às características negativas. Uma
criança vingativa precisa aprender a perdoar, um filho egocêntrico e
indisciplinado deve ser ensinado a dividir e arrumar seus pertences, e uma
criança introvertida necessita do auxílio dos pais para estabelecer
companheiros e amigos.
Contudo,
os pais devem ter a ciência de que não conseguem modificar completamente o
temperamento inato, e que sua função é também estimular as características
positivas inatas de seus filhos, transformando-as em ferramentas para a
construção de habilidades e competências. Afinal, a alegria e riqueza de uma
família reside no fato de que os diferentes temperamentos se complementam, gerando
uma riqueza de perspectivas e aprendizagens.
2. Caráter
Quando
uma criança nasce, podemos ir identificando seu temperamento. Por mais que
tenham sido estimuladas de forma semelhante na vida intrauterina, os
recém-nascidos reagem de forma diferente ao toque, à luz, aos sorrisos, a
barulhos e pessoas.
Há
bebês que dormem a noite toda, uns gostam de chorar, outros gostam de rir, e
reagem diferente inclusive à dor.
Quanto
ao caráter, quando uma criança nasce, não há nada formado! O caráter é formado
a partir de estímulos sensoriais, de exemplos observados na conduta dos que a
cercam, de conceitos e valores ensinados formal ou informalmente desde o
primeiro dia de vida.
O
caráter se estrutura a partir da imitação e da interação com os outros entes
sociais. Forma-se pela aprendizagem e assimilação de comportamentos, bem como
em decorrência das vivências pessoais com o meio social, com as coisas e com as
pessoas.
Os
pais precisam moldar o temperamento, realçando as qualidades e tratando os
defeitos da sua prole. Mas a função fundamental da paternidade é, sem dúvida,
formatar o caráter de seus filhos a partir da educação e do ensino.
Vários
textos bíblicos nos advertem a esse respeito, ressaltando a importância dos
pais na formação do caráter de seus filhos, pois se estes não forem formados,
serão chamados mais tarde de sem caráter.
Que todas estas
palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência
a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando
estiver andando pelo caminho, quando
se deitar e quando se
levantar. (Dt 6.6,7, NVI)
Instrua a criança segundo os objetivos que você tem para
ela, e mesmo
com o passar dos anos não se desviará deles. (Pv 22.6,
NVI)
Até a criança mostra o que é por suas ações; o seu
procedimento revelará se ela é pura e justa. (Pv 20.11, NVI)
A vara da correção dá sabedoria, mas a criança entregue a
si mesma envergonha a sua mãe. (Pv 29.15, NVI)
Ø O termo caráter significa gravar. E temos muitas
gravações em nós, feitas ao longo dos anos, por amigos que nos ajudaram,
companheiros que nos deformaram ou feriram, por educadores e pais persistentes e
amorosos, por avós dedicados e cônjuges amigos.
Nosso caráter é nosso
eu aparente (ego) que, em suas manifestações, nos distingue de qualquer outra
pessoa. Caráter é o que aparentamos ser, que aprendemos a ser através do
ensino, de exemplos, dentro do que é socialmente aceito em uma sociedade. As
pessoas leem nosso caráter, pois nele, mais claramente, evidenciamos nossos
hábitos e os papéis que vivenciamos, como o de pai, mãe, cônjuge, profissional
e irmão na fé, dentre outros.
Nosso caráter é nosso
estilo de vida. Ele se compõe dos valores e princípios que formatam e definem
nossos comportamentos, direcionando nossas ações e escolhas. É um traço
fundamental da nossa personalidade.
3. Personalidade
A personalidade
integra e sintetiza o nosso complexo temperamento e os traços do nosso caráter.
Mas vai além, pois é a soma total de impulsos, afetos, ideias, defesas,
aptidões, talentos, reações e comportamento social global.
Inclui tanto os
fenômenos comuns aos seres humanos, como nascer, crescer, se alimentar, pensar,
decidir, estudar e fazer amigos, por exemplo, quanto as experiências que foram
vivenciadas interna e particularmente. Assim, a personalidade envolve todo o
complexo mundo pessoal humano, engloba o corpo e a mente humana. É o que
realmente somos, é a persona, o eu.
Nascemos com um
temperamento inato, e absolutamente dependentes do cuidado, do afeto, dos elogios,
da educação, do significado que os outros nos atribuem.
Vamos crescendo,
assimilando e internalizando valores e conceitos adquiridos pela imitação,
pelos exemplos, pelo ensino de outras pessoas e pela mídia que nos cerca, construindo
nosso caráter.
Com o passar dos anos,
nossa reflexão interna aponta para a nossa independência na forma de pensar, de
agir, de sentir, e de pensar sobre nós mesmos. Podemos reestruturar conceitos,
valores e teorias, adquirindo vivências diferenciadas e particulares,
enriquecendo nossa personalidade.
Nós nos
individualizamos — tornamo-nos únicos, singulares e indivíduos. Sempre
precisamos ressaltar a importância da nossa vontade nesse processo de
construção de quem somos. Não somos seres impotentes, mas desde cedo podemos
observar nas crianças o exercício do livre-arbítrio, tentando impor sua vontade
aos mais velhos.
Nossa vontade exerce o
poder de escolher e decidir, ou não, permanecer nas escolhas anteriores. Por
mais que esteja associada ao intelecto e às nossas emoções, a vontade atua de
forma independente:
podemos agir de forma
oposta ao que sentimos, ou nos comportarmos de uma forma que sabemos ser errada
ou pecaminosa.
Contudo, a
personalidade é ativa. Cada vez que fazemos uma escolha, tratamos nosso
temperamento ou refazemos um conceito, alteramos nossa persona. As decisões de
vida, assim como o exercício profissional, conjugal e parental, bem como o uso
de talentos e habilidades, também reestruturam nossa personalidade.
Nossas vivências e
saberes transformam quem somos. Nossa personalidade é dinâmica, podendo ser
modificada e restaurada.
Vamos passar a citar alguns tipos de
personalidade conhecidas, que devem ser percebidas e tratadas:
Ø Personalidade Paranoia
– A
pessoa apresenta uma desconfiança extrema, traduzida por ciúmes e suspeitas
recorrentes sem justificativa; tem a tendência a guardar rancores
persistentemente; recusa-se a perdoar insultos, injúrias ou desfeitas; distorce
experiências alheias por interpretar erroneamente as ações neutras ou amistosas
de outros como hostis ou desdenhosas; apresenta uma autovalorização excessiva,
colocando-se sempre como referência para atitudes de outros.
Ø Personalidade Esquizoide – A pessoa apresenta uma capacidade
limitada para expressar sentimentos calorosos, ternos ou elogiosos para com os
outros; aparenta indiferença a elogios ou críticas, criando distanciamento nas
relações conjugal e parental; tem preferência por atividades solitárias,
ocasionando falta de amigos ou de um relacionamento conjugal confidente; mostra
baixo interesse em se relacionar sexualmente quando casado.
Ø Personalidade Antissocial – A pessoa mostra
indiferença pelos sentimentos alheios, causando mágoas e solidão aos que o
cercam; tem uma atitude persistente de irresponsabilidade e desrespeito por
normas, regras e obrigações conjugais e sociais; apresenta baixa tolerância a
frustração e um baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência;
mostra irritabilidade persistente, sem análise do efeito de seus atos e
palavras; procura sempre culpar os outros ou oferecer racionalizações
plausíveis para seu comportamento inadequado.
ØPersonalidade Impulsiva
– A
pessoa apresenta instabilidade emocional e falta de controle e impulsos,
gerando agressividade que muitas vezes é seguida por crises de autopunição; tem
baixa capacidade de planejar situações, ocasionando acessos de raiva intensa
com uso frequente de violência verbal; tem comportamento ameaçador, particularmente
em resposta à crítica de outros.
Ø Personalidade histriônica
– A
pessoa usa a autodramatização, teatralidade, manha e expressão exagerada de
emoções, tornado-se imprópria; é facilmente influenciada por outros ou por
circunstâncias; possui afetividade superficial e lábil inconstante, causando
insegurança por sua busca contínua de excitação; apresenta preocupação
excessiva quanto à sua atratividade física e capacidade de sedução, ocasionado ciúmes
legítimos ao cônjuge.
Ø Personalidade Anancástica – A pessoa tem muita
preocupação com detalhes, regras, listas, ordem, organização ou esquemas;
apresenta perfeccionismo, escrupulosidade e preocupação indevida com detalhes;
mostra constante insistência para que os outros se submetam exatamente à sua
maneira de fazer as coisas ou relutância em permitir que os outros façam as
coisas.
Ø
Personalidade Ansiosa – A pessoa apresenta
sentimentos persistentes de receio, tensão e apreensão; tem a crença de ser
socialmente inepta, pessoalmente desinteressante ou inferior aos outros; denota
preocupação excessiva em ser criticada ou rejeitada em situações sociais,
levando a família a evitar atividades sociais e ocupacionais.
Ø Personalidade Tipo Dependente – A pessoa tem
relutância em expressar seus desejos, exigir seus direitos ou fazer exigências
ainda que razoáveis às pessoas das quais depende; mostra encorajamento ou
permissão para que outros tomem decisões importantes sobre a sua vida; possui
capacidade limitada de tomar decisões cotidianas sem excesso de conselhos,
muitas vezes de pessoas fora do convívio familiar; apresenta medo constante de
ser abandonada pelo outro.
O Espírito Santo está
ao alcance de todos nós que recebemos Jesus como salvador. O que precisamos é
permitir que Ele transforme nossa personalidade, enquanto tomamos decisões
diárias para viver no Espírito.
4. Personalidade e Salvação
Quando aceitamos
Jesus, e verdadeiramente somos convertidos, mudamos alguns hábitos, simples
expressões de nosso eu aparente.
Muitos deixam de
fumar, beber, falar palavrão ou de frequentar espaços nocivos e violentos.
Mudam alguns hábitos, simples traços do caráter, mas não necessariamente sua
personalidade.
Muitos seguem além, e
mudam também traços de seu temperamento. Tornam-se mais calmos e bondosos,
tornam menos agressivos e mais mansos e amorosos. Contudo, Deus não quer
pequenas mudanças no nosso temperamento ou no nosso eu aparente. Ele quer mais!
Só o Evangelho tem o
poder de mudar também o nosso eu interior. Só a palavra de Deus “é viva e
eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o
ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e
intenções do coração” (Hb 4.12, NVI).
Deus quer todo o nosso
eu, a nossa alma, representada na Bíblia muito vezes pela palavra coração. A
alma pensa, sente, tem vontades, decide e se comporta. Ela une temperamento,
caráter, personalidade e comportamentos, e precisa ser submetida inteiramente a
Cristo.
Deus não olha para o
que dizemos ou aparentamos ser, mas para o que realmente somos, para o que
pensamos, para as intenções das nossas ações, e para cada atitude tomada por
nós.
Ele quer nossa
personalidade, nosso eu inteiro e interior, quer dominar sobre nosso comportamento
intencional, equilibrando nossa vida emocional — Deus deseja a nossa alma
totalmente restaurada!
E todas estas mudanças
só serão possíveis com a nossa permissão.