Observação: Subsídio Bíblico para a lição 11 – Classe: Jovens. 3°
Trimestre de 2019.
Assim como houve no
Antigo Testamento profetas que falaram guiados pelo Espírito Santo, também
houve entre o povo os falsos profetas, homens que falavam segundo os seus
próprios interesses. A intenção do apóstolo Pedro, no capítulo 2 de sua segunda
carta, portanto, era advertir a comunidade cristã acerca dos impostores que
estavam a disseminar doutrinas enganosas entre os crentes, verdadeiras heresias
de perdição.
Veja também:
Os Falsos Mestres
No seu início e nas
décadas seguintes, a igreja foi ameaçada pelos judaizantes que queriam impor a
Lei mosaica e seus ritos sobre os cristãos. Esses mestres alteravam o cerne do
evangelho, colocando a Lei como complemento da obra de Jesus no Calvário, razão
pela qual o apóstolo Paulo os censurou gravemente (Gl 1.8,9). Tempos depois, o
cristianismo passou a ser ameaçado pelos falsos doutores (gr. pseudodidaskalos),
também chamados falsos mestres ou professores, que tentavam introduzir nas
doutrinas cristãs conceitos das filosofias pagãs, induzindo o povo à prática da
imoralidade. É dentro desse contexto que Pedro escreve a sua segunda epístola,
cujo teor é bem parecido com a Carta de Judas. Ambas advertem sobre as
principais características dos falsos mestres, suas heresias, motivações e a
certeza do julgamento divino sobre eles.
As heresias dos
falsos mestres em face da ortodoxia apostólica (2Pe 2.1).
Fazendo uma análise
comparativa com o que havia acabado de dizer, sobre os profetas que falaram
inspirados por Deus, Pedro afirma que também houve entre o povo falsos profetas,
como também haveria falsos doutores. Em diversas ocasiões, a nação israelita
desviou-se da verdade por dar ouvidos aos mensageiros enganosos. Os falsos
profetas bradavam “assim diz o Senhor”, quando na verdade estavam falando em
nome próprio; apregoavam paz (Jr 6.14) quando ela não existia. A história,
portanto, estava se repetindo, inclusive como um cumprimento profético (Dt
13.2-6; Mt 24.24), e era importante que o povo fosse advertido sobre esses
mestres que adulteravam a verdade de Deus.
Pedro se levanta com
veemência contra os falsos mestres, pois sabia que os seus ensinos eram
nocivos, introduzindo encobertamente heresias de perdição. No original grego,
embora a palavra heresia (haeresis) tenha o sentido estrito de “fazer
uma escolha”, no Novo Testamento ela denota uma escolha deliberada de rejeitar
o verdadeiro ensino cristão, dando origem a doutrinas heréticas e movimentos
sectários (1 Co 11.19; Gl 5.20).
A forma como a segunda
epístola de Pedro defende a verdade apostólica chama a nossa atenção para a
própria ideia de heresia. Será que a heresia sempre foi combatida pelos
cristãos ou foi uma invenção posterior ao cristianismo primitivo? Em outras
palavras: Quem veio primeiro, a heresia ou a ortodoxia?
Ainda que para a grande
maioria de nós a heresia seja realmente a deturpação de uma doutrina correta, é
importante lembrar que há quem entenda de maneira contrária. Nos últimos anos,
reacendeu a afirmação de que no início do cristianismo não existia uma
ortodoxia cristã (unidade), mas somente a diversidade de interpretações
doutrinárias. Essa perspectiva defende que a ortodoxia seria a mãe da heresia.
Eis a razão pela qual as heresias despertam a atenção e seduz as pessoas, com o
slogan da diversidade e inclusivismo. A esse respeito Will Herbert escreveu:
“Hoje, as pessoas se vangloriam avidamente de serem hereges, esperando com isso
se mostrarem interessantes; pois o que significa ser herege, senão ter mente original,
ser um homem que pensa por si mesmo e rejeita credos e dogmas?
No livro A Heresia da
Ortodoxia, Andreas Kostenberger e Michael Kruger dizem que o que costumava ser
considerado heresia é hoje a nova ortodoxia, e a única heresia que resta é a
própria ortodoxia, cujo “evangelho” da diversidade desafia abertamente a
asserção de que Jesus e os cristãos primitivos ensinavam uma mensagem unificada
que consideravam absolutamente verdadeira, bem como consideravam falsas
quaisquer negações dessa mensagem.
O principal proponente
dessa visão foi Walter Bauer, nascido em Konigsberg, Prússia Oriental, em 1877,
lexicógrafo e estudioso alemão da Igreja Primitiva. Em sua tese, Bauer
argumentou que a diversidade contemporânea é boa e que o cristianismo histórico
é excessivamente estreito em sua visão, mas também que o próprio conceito de
ortodoxia é uma invenção posterior ao cristianismo primitivo, que não
corresponde às convicções de Jesus nem dos primeiros cristãos.
Segundo Kostenberger e
Kruger, antes do lançamento do livro de Walter Bauer [ Orthodoxy and Heresy
in the Earliest Christianity - Ortodoxia e Heresia no Início do
Cristianismo, 1965], havia ampla aceitação no pensamento teológico cristão de
que as raízes do cristianismo se encontravam na pregação unificada dos
apóstolos de Jesus e que só posteriormente essa ortodoxia (crença correta) foi
corrompida por várias formas de heresia (ou heterodoxia). Desse modo, a
ortodoxia precede a heresia. Contudo, em sua obra, Bauer inverte os fatores e
afirma que a heresia (pluralidade de crenças, heterodoxia) veio antes da
ortodoxia, como um conjunto normativo de crenças doutrinárias cristãs.
A metodologia empregada
por Bauer, segundo afirma, foi fazer uma investigação
nos quatro centros geográficos do cristianismo primitivo: Ásia Menor, Egito,
Edessa e Roma, chegando à conclusão de que Roma, já em 95 d.C., tentou impor
sua versão de ensino cristão ortodoxo ao resto da cristandade, consolidando sua
autoridade eclesiástica, reescrevendo a história, removendo dela registros de
formas divergentes de crenças. Coube a Bart Ehrman popularizar a tese de Bauer,
a qual ganhou novo fôlego com o surgimento do pós-modernismo e a ideia de que a
verdade é inerentemente subjetiva e uma questão de poder.
Ao criticar a tese de
Bauer, Alister McGrath enfatiza que, embora houvesse uma diversidade das
comunidades cristãs no início do cristianismo, especialmente em virtude das
diferenças geográficas, havia um fio unificador fundamental da fé cristã. De
acordo com McGrath, “a diversidade sociológica do cristianismo primitivo não
era comparada a nada que se aproximasse, mesmo remotamente, de uma anarquia
teológica”. No início da era cristã, a Igreja Primitiva era fragmentada
socialmente, e não havia nenhuma autoridade centraliza para “impor” as suas
doutrinas essenciais, visto que a igreja não tinha poder político e muito menos
militar. Aliás, ao contrário disso, o Estado Romano era hostil ao cristianismo,
vendo-o muitas vezes como subvertendo as visões religiosas tradicionais.
McGrath recorda que a
convocação do Concilio de Niceia, por Constantino, em 325, pode ser
interpretada como o primeiro passo na tentativa de criação de uma igreja
imperial, uniforme. Até então, o cristianismo era frágil sob o ponto de vista
político. Por essa razão, McGrath rejeita a afirmação de Bauer, dizendo que ele
projetou para o passado a influência
de Roma sobre as igrejas, o que até então não existia.
O fato é que, segundo
McGrath, a heresia possui uma gênese. Em meados do século III, uma narrativa de
origem da heresia foi estabelecida dentro da igreja. Suas principais
características segundo McGrath podem assim ser resumidas:
1. A igreja
fundamentada pelos apóstolos era “pura e imaculada”, mantendo-se firme nos
ensinamentos de Jesus Cristo de Nazaré e das tradições dos apóstolos.
2. A ortodoxia precedia
temporalmente a heresia. Esse argumento é desenvolvido com particular vigor por
Tertuliano, que insistia em afirmar que o primum é o verum. Quanto mais antigo
um ensinamento, mais autêntico ele é. Assim, a heresia é considerada inovação.
3. Desse modo, a
heresia será vista como um desvio deliberado de uma ortodoxia já existente. A
ortodoxia veio primeiro, a decisão de rejeitá-la (ou alterá-la) veio depois.
4. A heresia representa
o cumprimento de profecias do NT sobre deserção e desvio dentro da igreja, e
pode ser vista como um meio providencial pelo qual a fé dos crentes pode ser
testada e confirmada.
5. A heresia surge por
meio do gosto pelo novo, ou ciúme e inveja por parte dos hereges como
frustrados e ambiciosos, e relaciona as suas visões a um ressentimento por não
terem alcançado o reconhecimento do alto comando eclesiástico.
6. Vista de modo geral,
a heresia é internamente incompatível, faltando-lhe a coerência da ortodoxia.
7. As heresias
individuais são geográficas e cronologicamente restritas, enquanto a ortodoxia
se encontra espalhada pelo mundo.
8. A heresia é o
resultado da diluição da ortodoxia como filosofia pagã. Mais uma vez,
Tertuliano é um defensor ferrenho dessa posição, argumentando que as ideias de
Valentino derivavam do platonismo e do estoicismo de Marcião.
Ele pergunta: o que Atenas tem a ver
com Jerusalém.
Essa “visão aceita”
sobre a origem da heresia foi amplamente admitida dentro do cristianismo até o
início do século XIX. Por outro prisma, Roger Olson escreve que “os pais da
igreja antiga, seguindo o exemplo apostólico, tiveram de reconhecer as
afirmações da verdade legitimamente cristãs das que não eram, e, para fazê-lo,
não podiam repetir simplesmente as palavras dos apóstolos que circulavam nos
Evangelhos e à suposta tradição secreta, não escrita, de ensinamentos
adicionais passados a eles pelos apóstolos. Diante desse pluralismo de
afirmações de verdades conflitantes e mensagens sobre o cristianismo autêntico,
os líderes eclesiásticos e os pensadores cristãos dos séculos II e III
simplesmente tiveram de esclarecer as doutrinas. Esse foi o começo do que
denomino de diversas formas, grande tradição, a tradição consensual e a
uniformidade interpretativa do cristianismo”.
Desse modo, é incorreta
a afirmação de que a heresia precedeu a ortodoxia.
A heresia, escreveu
Alister McGrath, “parece ser cristã, mas é na verdade uma inimiga da fé, que
espalha a semente da destruição”5. Ela também pode ser comparada a um vírus,
que se fixa dentro de um hospedeiro e, por fim, usa o sistema de replicação de
seu hospedeiro para conseguir a dominação. A sua característica básica é o
afastamento da verdade apostólica, ou seja, as doutrinas ensinadas pelos
apóstolos do Senhor.
Considerando o perigo
que representam à fé cristã em geral e ao crente em particular, Pedro diz que
são heresias de perdição, isto é, ensinamentos que destroem princípios éticos e
doutrinários. “Aqueles que negam o ensinamento apostólico e distorcem a
Escritura, opõem-se, por essa razão, a Deus e trazem destruição para si mesmos
e para todos os que seguirem o erros deles”.
Fonte: A razão de nossa esperança – Alegria, Crescimento
e Firmeza
nas Cartas de Pedro. Editora CPAD |
Autor: Pr. Valmir Nascimento.