Observação: Subsídio Bíblico para a lição 4 – Classe: Jovens.
OBJETIVOS
I -
CONSCIENTIZAR de que a conduta exemplar do cristão requer a abstinência das
paixões carnais;
III -
CONHECER a maneira adequada de se relacionar com o Estado e com as
autoridades constituídas;
III -
MOSTRAR o padrão bíblico do relacionamento do crente com os seus
superiores.
INTRODUÇÃO
A primeira epístola de
Pedro é um documento riquíssimo, contém ensinos teológicos, recomendações para
a vida devocional, mas também orientações para a vida pública. Na primeira
parte da sua carta, Pedro expôs acerca da doutrina da salvação, e exortou os seus
leitores para uma vida santa. Nesta seção de sua carta, Pedro passa a tratar de
aspectos práticos da vida cristã, especialmente sobre deveres e
responsabilidade social.
I - A Conduta Exemplar dos Peregrinos
1. Abstendo-se das
paixões carnais (1 Pe 2.11)
Em tom amoroso, Pedro
se dirige aos crentes como peregrinos e forasteiros. Enquanto cidadãos de uma
pátria distante, os crentes precisam abster-se das paixões carnais que
guerreiam contra a alma (v. 11). Abster-se aqui tem o sentido de manter-se
continuamente longe, afastado dos desejos pecaminosos. O texto sugere que o
cristão deve romper claramente com “os impulsos naturais” que o dominaram no
passado. Lawrence Richards explica que o adjetivo sarkikon, encontrado
nessa expressão grega, dão a entender “que os impulsos que Pedro tinha em mente
não são impulsos para o pecado declarado, mas a inclinação natural de cada
pessoa para preservar o seu bem-estar material e a sua individualidade”. Assim,
“quanto mais nós nos preocupamos com o universo material, menos nos preocupamos
com o espiritual. As coisas desta vida devem ter pouco valor para o cristão,
cujas esperanças estão fixas no retorno de Cristo”.
Por causa da sua
natureza pecadora, o homem se encontra numa luta interna da carne contra o
Espírito (Gl 5.17). Por um lado, queremos obedecer à Lei moral de Deus; por
outro, somos inclinados a cumprir os desejos da nossa velha natureza, conforme
Paulo descreve em Romanos 7.15-25.
Isso porque a raça
humana foi afetada por aquilo que a teologia chama de depravação total. Essa
doutrina enfatiza que o homem é totalmente incapaz de chegar-se a Deus mediante
seus próprios méritos e esforços, em virtude de sua morte espiritual e natureza
pecaminosa; assim como é completamente incapaz de, por si só, dominar o pecado.
Essa é uma doutrina básica defendida pelo arminianismo clássico, à luz das
Escrituras (1 Rs 8.46; 2 Cr 6.36; SI 14.1-3; Ec 7.20; Is 64.6; Rm 3.10; 3.23;
Tg 3.2). Essa é a razão pela qual o homem, caído, tem a propensão à corrupção
(Rm 5.8,19; Rm 7.16).
Em seu estado
pecaminoso e caído, escreveu o teólogo holandês Jacó Armínio, “o homem não é
capaz, de e por si mesmo, quer seja pensar, querer ou fazer o que é, de fato,
bom; mas é necessário que seja regenerado e renovado em seu intelecto, afeições
ou vontade e em todas as suas atribuições, por Deus em Cristo através do
Espírito Santo, para que seja capaz de corretamente compreender, estimular,
considerar, desejar e realizar o que seja verdadeiramente bom”.
Vale dizer que
depravação total não significa que “os seres humanos são tão ruins quanto eles poderiam
ser, mas que o pecado atinge cada parte do ser de uma pessoa e que as pessoas
agora têm uma natureza pecaminosa com uma inclinação natural para o pecado”.
Não obstante, isso não
significa que tais desejos sejam absolutamente incontroláveis e que estejamos
sujeitos somente aos nossos instintos naturais.
A vitória contra o
pecado começa, primeiramente, com o reconhecimento de nossas fraquezas morais.
O cristão não pode se esquecer das armadilhas do seu coração (Jr 17.9,10) e que
as suas percepções não são plenamente confiáveis. Somente com a ajuda do Santo
Espírito o crente é capaz de vencer essa guerra interna. O segredo para
vencermos os desejos pecaminosos está em andarmos segundo o mover e o poder do
Espírito (Gl 5.16).
A vitória contra a
força do pecado é resultante da graça divina que opera no coração do homem. A
graça preveniente de Deus é quem capacita e habilita o homem para se entregar a
Cristo, fortalecendo sua vontade. Em Armínio, “a graça preveniente não é
somente persuasiva; ela também renova a pessoa na imagem de Deus e libera a vontade
de modo que a pessoa pode, pela primeira vez, exercitar uma boa vontade para
com Deus em arrependimento e fé”.
2. Exemplos de conduta
(1 Pe 2.12)
Pedro prossegue
instando os cristãos a manterem uma conduta exemplar no meio dos descrentes (v.
12). Naquela altura, os discípulos de Jesus eram falsa e injustamente acusados
de diversos crimes e delitos. Por contrariar frontalmente a cultura dominante e
as práticas religiosas da época, os seguidores de Cristo foram vítimas de
diversas calúnias. Nos primeiros três séculos da igreja, os cristãos eram
acusados rotineiramente de ateísmo por não reconhecerem a existência dos deuses
greco-romanos e recusarem-se a adotar o imperador como “filho de Deus”.
Os cristãos também eram
acusados de ritos estranhos e escandalosos, até mesmo de canibalismo. Segundo
Jeremiah Johnston, esse tipo de acusação não seria algo difícil, visto que tal
prática era adotada por alguns cultos secretos pagãos; entre os quais, o culto
a Dionísio, que era particularmente bem conhecido. Johnston recorda que a
realização da Ceia do Senhor entre os cristãos contribuiu para a aceitação
pública do boato. A referência ao corpo e ao sangue de Cristo eram usados pelos
críticos do cristianismo como argumentos de acusação, levando muitos crentes a
padecerem em interrogatórios cruéis e torturas.
Além da Ceia do Senhor,
outra prática inofensiva dos cristãos era interpretada de maneira maliciosa,
consistente no resgate de bebês e crianças pequenas que eram rejeitadas ou
abandonadas por suas famílias. Todavia, tudo não passava de boatos maldosamente
idealizados e sem nenhum tipo de prova.
Dentro desse contexto,
Pedro diz que, em vez de argumentar com palavras, os cristãos deveriam provar a
sua inocência e integridade moral por meio de uma vida exemplar, relevada nas
boas obras. Afinal, ações valem mais que palavras, e do verdadeiro cristão
espera-se que seja exemplo em tudo (1 Tm 4.12) e em todos os ambientes da
sociedade.
II - O Cristão e o Estado
1. Submissão às
autoridades (1 Pe 2.13-15)
Dentre as acusações
contra os cristãos estava provavelmente a questão envolvendo o relacionamento
com o governo. Por esse motivo, seja para evitar as falsas denúncias, seja para
esclarecer a posição cristã sobre o tema, Pedro exorta os cristãos a uma vida
de submissão. “Sujeitai-vos, pois, a toda ordenação humana por amor do Senhor;
quer ao rei, como superior; quer aos governadores, como por ele enviados para
castigo dos malfeitores e para louvor dos que fazem o bem” (w. 13,14). Assim, a
regra geral para a vida pública é a submissão, não a subversão. Sujeitar-se
aqui é o verbo hypotasso, que significa subordinar-se, obedecer. Todavia,
“submissão não é a mesma coisa que escravidão ou subjugação; é apenas o
reconhecimento da autoridade de Deus na vida. Deus instituiu o lar, o governo
humano e a Igreja, e tem o direito de dizer como essas instituições devem ser
administradas. Deus deseja que cada um exerça autoridade”, escreveu o expositor
cristão Warren Wirsbe.
A razão da sujeição,
portanto, é a autoridade conferida por Deus. Assim como o apóstolo Paulo (Rm
13.1-3), Pedro enfatiza que toda autoridade foi estabelecida por Deus (w.
13,14). As autoridades constituídas, reis, governantes, legisladores,
magistrados e outros detentores de poder, portanto, receberam de Deus delegação
para exercerem suas atividades, seja para promover o bem (instituir políticas
públicas, por exemplo), seja para coibir o mal (aplicar a justiça, condenar os
criminosos, etc.).
Contudo, a expressão
“toda ordenação humana” dá amplitude ao comando, extrapolando o governo
secular. Assim, a declaração inclui todas as autoridades legítimas
(pais/filhos, oficiais da igreja/membros e também as estruturas de autoridade
em empresas, instituições educacionais, organizações voluntárias, etc.)8. O
ensino subjacente é que Deus domina sobre toda a sua criação e o objetivo desse
poder é o bem de todos. Afinal, sendo um Deus amoroso, Ele zela pela ordem das
coisas criadas (1 Co 14.33), pela boa convivência entre os homens (Hb 12.14) e
pela obediência à sua própria Lei (Jz 2.16,17).
Essa é a razão pela
qual o verdadeiro cristão é sempre um bom cidadão, empregado, estudante, membro
da família, etc., pois, onde quer que esteja, é respeitador do princípio da
autoridade. Não importa o regime de governo, o povo de Deus submete-se a toda
ordenação humana. Disso se denota que é incompatível com a fé cristã uma
conduta de rebeldia, revolução e desrespeito à ordem pública. Por princípio, o
cristão é um cidadão exemplar, pois, além de exigir os seus direitos, é cônscio
dos seus deveres com a sociedade e com o poder público.
2. A liberdade do
cristão (1 Pe 2.16)
Pedro diz: “[...] como
livres e não tendo a liberdade por cobertura da malícia, mas como servos de
Deus” (v. 16). Aparentemente, essa frase encontra-se deslocada no texto,
todavia, ela está ligada com os versículos 13-15, que expressam a relação entre
submissão e liberdade. Noutras palavras, embora os cristãos sejam livres, de
maneira voluntária devem se submeter ao governo.
Independentemente da
forma de governo, o cristão é livre (v. 16). A liberdade é um princípio
essencial no cristianismo, e serviu de base para a formatação dos valores do
mundo ocidental.
Assim, ao se submeter à
autoridade do Estado, o cristão não o faz na condição de escravo, mas de pessoa
livre. Todavia, a liberdade não pode ser utilizada como pretexto para a prática
de atos maliciosos. Ela jamais pode conduzir ao escândalo ou como justificava
para dar lugar à carne (1 Co 8.9, Gl 5.13). Ainda que sejamos livres, nem tudo
nos convém (1 Co 10.23).
Pedro conclui essa
seção com quatro breves mandamentos: “Honrai a todos. Amai a fraternidade.
Temei a Deus. Honrai o rei” (v. 17).
Honrar a todos
significa que todas as pessoas são dignas de serem honradas, valorizadas e
respeitadas. Cabe destacar que, naquele contexto, à luz da cultura romana, nem
todos eram dignos de honra, especialmente aqueles que não possuíam a cidadania
romana.
Amar a fraternidade
aponta para a dimensão da comunidade cristã; a igreja, onde manifestamos a
comunhão em Cristo, como irmãos fraternos.
O temor a Deus é um
princípio basilar da vida em sociedade; na medida em que tememos ao Senhor, em
humildade, nos submetemos ao próximo.
Honrar ao rei coroa o
ensinamento do apóstolo Pedro sobre a obediência às autoridades. Aplicando o
ensino aos nossos dias, somos instados a honrar as autoridades civis
constituídas a exemplo do presidente, do governador e do prefeito. A honra não
é devida em razão da personalidade deles ou de seus programas partidários, mas
por causa da autoridade na qual estão investidos.
2. O Cristão e os seus
Superiores
a) A submissão aos
senhores (1 Pe 2.18-20)
Tendo tratado do
relacionamento do salvo com as autoridades, o apóstolo passa agora ao âmbito
dos relacionamentos privados. Ele admoesta os servos cristãos a se submeterem
aos seus senhores (v. 18).
Pedro emprega o termo
grego oiketai, que designava o escravo doméstico, uma espécie de
empregado ou servente da casa. A menção deles nas páginas do Novo Testamento é
um claro indicativo da posição de igualdade humana que eles ocupavam na
comunidade de fé (Ef 6.5; Fm 1.16; G1 3.28). Enquanto a sociedade os tratava
com desprezo e atos de selvageria, para os cristãos eles são irmãos em Cristo, dignos
de receberem ensinamentos.
Isso pode parecer algo
sem valor para os nossos dias, mas é importante lembrar que naquele tempo os
escravos podiam ser açoitados, humilhados em público, explorados sexualmente e
vendidos ou trocados. Até mesmo Aristóteles, o filósofo, considerava um escravo
como uma “propriedade viva”. O Império Romano não somente era movido por uma
economia escravagista, como também era uma máquina de escravos que oprimia o
trabalho humano.
Numa época em que havia
no Império Romano mais de 60 milhões de escravos, dentre os quais muitos
cristãos, o conselho era para que eles se portassem com respeito aos seus
superiores, tanto em relação aos bons quanto aos maus. Tal conselho somente
pode ser compreendido pelo verdadeiro súdito do Reino de Deus, cujo padrão de
comportamento é completamente inverso ao do mundo. Obedecer a um superior justo
e humano parece natural para qualquer pessoa, mas somente o cristão, por amor a
Cristo, é capaz de respeitar alguém perverso.
)
O apóstolo vai além.
Ele diz que é agradável que alguém, por causa da consciência para com Deus,
sofra agravos, padecendo injustamente (v. 19). O ponto central é a consciência
para com Deus. Assim, conforme escreveu Grudem, “Não se trata de uma tenacidade
estoica automotivada que resiste a toda oposição, mas o contrário: a
consciência confiante da presença de Deus e de seu cuidado infalível é a chave
para o sofrimento injusto”. Obviamente, a tendência humana é revidar, olho por
olho, dente por dente. Mas o cristão cheio do Espírito age diferente, pois ele
sabe que a justiça pertence a Deus. E assim, “no final, Deus corrigirá todos os
males, e essa confiança capacita o cristão a se submeter a um senhor injusto
sem ter ressentimento, sem rebeldia, autocomiseração ou desespero”.
Esse mesmo amor que
instava os escravos cristãos a obedecerem aos seus senhores foi responsável por
confrontar a escravidão ao longo da história. A ideia de que a escravidão é um
mal a ser combatido nasce exatamente no cristianismo, com base na ideia de que
todos são iguais diante de Deus. O exemplo mais notável vem de William
Wilberforce (1759-1833), o político britânico que liderou o movimento
abolicionista do tráfico negreiro.
b) Seguindo os passos
de Jesus (1 Pe 2.21-25)
Por que devemos ter
esse tipo de comportamento? Pedro responde usando Jesus como modelo: “pois
também Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais as suas
pisadas” (v. 21). Porque em Cristo está o melhor modelo de conduta diante do
sofrimento e da perseguição. Mesmo tendo sido ultrajado, maltratado e
injustiçado em nosso lugar, não revidou ou ameaçou seus algozes. E Ele que o
cristão deve imitar e seguir os passos. O seu ensinamento é claro: “Amai a
vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam e
orai pelos que vos maltratam e vos perseguem” (Mt 5.44). A lógica do seu Reino
é diferente da dos homens, mas vale a pena trilhar os passos do Mestre!
Os ensinamentos de
Pedro se aplicam a todos nós, em qualquer dimensão da vida. Ainda que não
sejamos escravos, estamos submetidos a uma série de relações sociais, nas quais
podemos ser constrangidos, subjugados e injustiçados. No lugar do revide, somos
aconselhados a olhar para Jesus; em vez da vingança, somos exortados a agir
como o Mestre. Como bem escreveu Stanley Horton: “Quando tentamos agir, não
deixamos espaço para Deus operar. A vingança não nos permite dar a razão da
esperança que há em nós. Quando Deus age, até o nosso ofensor pode ser ganho
para Cristo”.
Além disso, todo
sentimento de vingança e revide destrói primeiramente aquele em cujo coração
nascem tais sentimentos. Entregar tudo nas mãos de Deus não é também uma forma
de preservar o nosso coração contra as raízes da amargura? Certamente, isso não
é algo fácil. Somente o Espírito de Deus pode nos capacitar para agir desta
forma.
Fonte: A razão de nossa esperança – Alegria,
Crescimento e Firmeza
nas Cartas de Pedro. Editora CPAD |
Autor: Pr. Valmir Nascimento.