JACÓ ARMÍNIO nasceu em
Oudewater, uma pequena cidade perto de Utrecht, na Holanda, no ano de 1560. Seus
pais eram pessoas respeitadas da classe média. Seu pai era um mecânico
engenhoso que atuava no comércio como cuteleiro. Seu sobrenome era Herman, ou,
segundo alguns, Harmen. Como era de costume aos homens daquela época, que
latinizavam os seus próprios nomes, ou os substituíam por nomes latinos que se adequassem
mais a eles no som ou no significado, Armínio escolheu o nome do líder célebre
dos alemães do início do primeiro século. Enquanto Armínio ainda era uma
criança, seu pai morreu, e ele, juntamente com um irmão e uma irmã, foi deixado
aos cuidados de sua mãe viúva. Theodore Aemilius, um clérigo de piedade e
educação distintas, que na época residia em Utrecht, familiarizou-se com as
circunstâncias da família e encarregou-se da educação da criança. Armínio residiu
com esse homem excelente até seu décimo quinto ano, quando a morte o privou de
seu patrono. Durante esse período, ele exibiu traços incomuns de genialidade, e
foi inteiramente instruído nos elementos da ciência e, em particular, nos
rudimentos das línguas latina e grega. Ele foi levado a dedicar-se ao serviço
de Deus, e tornou-se, embora muito jovem, um exemplo de homem piedoso.
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Nessa
época, Rudolph Suellius, natural de Oudewater, morava em Marpurg, em Hesse.
Rudolph mudou-se para Marpurg a fim de afastar-se da tirania dos espanhóis. Ele
era um homem de grande renome no ensino da matemática e das línguas. Ao visitar
sua terra natal, Rudolph familiarizou-se e se interessou por seu jovem conterrâneo,
e o convidou a ir a Marpurg, sob seu próprio patronato. Armínio o acompanhou, mas, pouco depois de iniciar seus estudos na
Universidade, recebeu as notícias pesarosas de que a sua cidade natal havia
sido destruída pelo exército espanhol. Ele voltou para a Holanda, e encontrou
seus piores medos realizados: sua mãe, seu irmão e sua irmã estavam entre as vítimas
da matança indiscriminada que ocorreu após a captura da cidade. Ele refez seus
passos tristemente em direção a Marpurg, fazendo a viagem toda a pé.
Durante
o mesmo ano (1575) foi inaugurada a nova universidade holandesa em Leiden, sob
os auspícios de Guilherme I, Príncipe de Orange. Assim que Armínio soube que a
nova instituição havia aberto as portas para a admissão de alunos, preparou-se
imediatamente para voltar para a Holanda, e logo ingressou como estudante em
Leiden. Ele permaneceu ali durante seis anos, ocupando a mais alta posição no
conceito de seus instrutores e de seus colegas estudantes. Ao término desse período,
em seu vigésimo segundo ano, Armínio foi recomendado para as autoridades
municipais de Amsterdã como um jovem de grande promessa para a utilidade
futura, e especialmente digno de seu patronato. Essas autoridades assumiram imediatamente
as custas da conclusão dos estudos acadêmicos de Armínio, enquanto Armínio, por
sua vez, deu-lhes um título escrito, no qual se comprometeu a dedicar o resto
de sua vida, após a sua admissão às Ordens Sacras, ao serviço da igreja naquela
cidade, e a não se envolver em nenhum outro trabalho e não ocupar nenhum outro cargo
sem a sanção especial dos burgomestres.
Ele
foi imediatamente para Genebra, sendo atraído para lá principalmente pela
reputação do célebre Beza, que na época estava ministrando naquela
Universidade. No entanto, Armínio permaneceu ali durante pouco tempo, pois foi
ofendido por alguns dos professores por defender Ramus e seu sistema de
dialética em oposição ao sistema de Aristóteles. Ele então se retirou para a
Universidade da Basileia, e residiu ali por um ano, durante uma parte do qual, como
era de costume para os melhores alunos de graduação, ministrou aulas
expositivas sobre temas teológicos, tendo como base o curso universitário
comum. Por essas e outras exposições de sua erudição, Armínio adquiriu grande reputação,
e, na véspera da sua partida da Basileia, a faculdade de Teologia da
Universidade da Basileia ofereceu-lhe o título e o diploma de Doutor. Ele
recusou esse título modestamente, alegando, como motivo, sua juventude. O sentimento
despertado contra ele na Universidade de Genebra por conta de sua adesão à
filosofia de Ramus diminuiu de forma considerável. Ele então retornou para
aquela universidade, e permaneceu ali durante três anos, dedicando-se ao estudo
da divindade.
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No
final desse período, vários de seus jovens compatriotas que também estavam
estudando em Genebra partiram rumo a uma excursão pela Itália. Armínio decidiu
fazer uma excursão semelhante, e foi particularmente inclinado a realizar a
viagem pelo desejo de ouvir James Zabarella, que naquela época era um professor
de Filosofia da Universidade de Pádua, altamente distinto. Ele permaneceu em
Pádua durante um curto espaço de tempo, e também visitou Roma e alguns outros
lugares da Itália. Essa viagem foi consideravelmente vantajosa para ele, uma
vez que lhe proporcionou a oportunidade de familiarizar-se, através da
observação pessoal, com o “mistério da iniquidade”. Além disso, pode explicar o
zelo e o vigor com os quais Armínio se opôs posteriormente a muitas das
doutrinas e pressupostos do papado. No entanto, a excursão foi temporariamente prejudicial
para Armínio, tendo em vista que ele incorreu no desagrado de seus patronos, isto
é, o Senado de Amsterdã. É provável que esse descontentamento tenha sido
originado e intensificado por algumas pessoas perversas que deturparam
gravemente as motivações de Armínio ao visitar a Itália. Mas tudo isso caiu por
terra através das declarações de Armínio em seu retorno à Holanda, no outono de
1587. No início do ano seguinte, depois de um exame perante a Classe de
Amsterdã, Armínio foi licenciado para pregar, e a pedido das autoridades da
igreja, iniciou o seu ministério público naquela cidade. Seus esforços no púlpito
foram recebidos com muita predileção, de modo que ele foi chamado, com
unanimidade, para o pastorado da igreja holandesa em Amsterdã, tendo sido
ordenado no décimo primeiro dia de agosto de 1588.
Certas
circunstâncias ocorreram durante o ano seguinte, fatos que, em seu resultado,
exerceram uma grande influência sobre os pontos de vista doutrinários de
Armínio, e no final conduziram Armínio a adotar o sistema que leva seu nome. No
ano de 1578, Coornhert, um homem profundamente religioso, e que havia prestado
serviços importantes ao seu país e à Reforma, colocando sua própria vida em
risco, em uma discussão com dois ministros calvinistas de Delft, atacou os
pontos de vista peculiares de Calvino sobre a Predestinação, a Justificação e a
punição dos hereges com a morte de forma magistral e popular. Ele então
publicou seus pontos de vista e defendeu uma teoria substancialmente conhecida
posteriormente como a teoria arminiana, embora parte de sua fraseologia não
estivesse guarnecida o suficiente.
Seu
panfleto foi respondido em 1589 pelos ministros de Delft, mas em vez de
defender o ponto de vista supralapsariano de Calvino e Beza, que havia sido o
objeto particular do ataque de Coornhert, eles apresentaram e defenderam as
visões mais baixas ou sublapsarianas, e atacaram a teoria de Calvino e Beza. O
panfleto dos ministros de Delft foi transmitido a Armínio por Martin Lydius,
professor em Franeker, pedindo que Armínio defendesse o seu ex-preceptor. Ao
mesmo tempo, o senado eclesiástico de Amsterdã pediu-lhe para expor e refutar
os erros de Coornhert. Ele iniciou o trabalho imediatamente, mas ao pesar detalhadamente
os argumentos a favor do ponto de vista supralapsariano e os argumentos em prol
do sublapsarianismo, Armínio inclinou-se a este último, em vez de refutá-lo. Ao
continuar suas pesquisas, Armínio dirigiu-se para o estudo mais diligente das
Escrituras, e as comparou diligentemente com os escritos dos primeiros
patriarcas e com os escritos de teólogos posteriores. O resultado dessa investigação
foi a sua adoção da teoria particular da Predestinação que leva seu nome.
Inicialmente, para o bem da paz, ele se reservou em suas expressões, e evitou
fazer referências especiais ao assunto. Mas logo se convenceu de que tal padrão
de ação era incompatível com o seu dever como professor religioso, e começou a
testemunhar de forma modesta sobre a sua discordância com os erros recebidos,
em especial em seus discursos ocasionais sobre essas passagens das Escrituras,
que obviamente necessitavam uma interpretação que estivesse de acordo com os
seus pontos de vista mais amplos sobre a atuação divina na salvação dos pecadores.
Isso se tornou uma prática constante de Armínio em 1590.
Estando
estabelecido há mais de dois anos no ministério em Amsterdã, Armínio se uniu em
casamento a uma jovem de grandes realizações e piedade eminente, a quem,
durante algum tempo antes, ele havia dedicado seus interesses. Seu nome era
Elizabeth Real. Seu pai, Laurence Jacobson Real, foi um juiz e senador de
Amsterdã, cujo nome está imortalizado nos anais holandeses da época, por causa
do papel decisivo que exerceu na promoção da Reforma nos Países Baixos,
constantemente durante a tirania espanhola, correndo o risco de perder suas
propriedades e sua vida. Com esta senhorita, com quem se casou no dia dezesseis
de setembro de 1590, Armínio desfrutou uma felicidade doméstica invejável e
ininterrupta. O casal teve sete filhos e duas filhas. Todos morreram na flor de
sua juventude, exceto Laurence, que se tornou um comerciante em Amsterdã, e
Daniel, que conquistou a mais elevada reputação na profissão da medicina.
Os
próximos treze anos da vida de Armínio foram dedicados ao ministério em
Amsterdã, com sucesso eminente e grande popularidade, especialmente entre os
leigos. Por vezes, sua apresentação ocasional de pontos de vista diferentes dos
ministros em torno dele, que eram, quase sem exceção, fortemente calvinistas, o
colocou em sérios conflitos. Em 1591, Armínio expôs o sétimo capítulo da
Epístola aos Romanos, e em 1593, o nono capítulo da mesma epístola. Nessas
exposições, ele apresentou os pontos de vista que estão presentes em seus
tratados sobre esses capítulos nesta edição de suas obras, e em cada uma dessas
ocasiões, um ânimo considerável foi produzido contra ele. Sua interpretação do
sétimo capítulo, em particular, que é substancialmente a mesma adotada por
grande parte dos melhores comentaristas modernos, incluindo alguns que se dizem
calvinistas, foi contraposta com frequência na época e também posteriormente,
com grande aspereza.
Por
volta do final de 1602, ocorreu a morte de Francis Junius, professor de
Teologia em Leiden. A atenção dos curadores da universidade foi imediatamente direcionada
para Armínio, como a pessoa mais adequada para preencher a cadeira vaga. O
convite, que foi devidamente estendido a ele, enfrentou a oposição mais
vigorosa por parte das autoridades de Amsterdã, a cuja disposição, como já foi
dito, Armínio se comprometeu a dedicar seus serviços durante a vida toda. O
consentimento para a sua transferência para Leiden foi finalmente obtido por
meio da intercessão especial de Uytenbogardt, o célebre ministro de Haia, de N.
Cromhoutius, do Supremo Tribunal da Holanda, e do próprio chefe de estado,
Maurício, príncipe de Orange. Muitos dos ministros ultracalvinistas protestaram
violentamente contra a chamada a uma posição de tanta importância, ocupada
anteriormente por alguém cujos sentimentos sobre pontos considerados vitais
eram extremamente heterodoxos em relação aos de Armínio. Neste aspecto, eles
tinham o apoio de Francis Gomarus, professor em Leiden. Esse homem, naquela
época e posteriormente, durante a vida de Armínio, bem como depois de sua morte,
nos debates religiosos que se seguiram entre os “Protestantes” e os
“Contra-Protestantes”, manifestou um espírito muito restrito e amargo.
Armínio
recebeu o título de Doutor em Divindade pela Universidade de Leiden em onze de julho
de 1603, e logo começou a desempenhar as funções de professor de Divindade. Ele
percebeu rapidamente que os estudantes de teologia estavam se envolvendo nas
controvérsias intrincadas e nas perguntas espinhosas dos escolásticos em vez de
se dedicarem ao estudo das Escrituras. Armínio se esforçou imediatamente para
corrigir esse mal, e para redirecioná-los à Bíblia como a fonte da verdade.
Esses esforços, somados ao fato de que seus pontos de vista sobre a
Predestinação eram intragáveis para muitos, proporcionaram a oportunidade e um motivo
para acusá-lo de uma tentativa de introduzir inovações. Relatórios ofensivos
foram espalhados, e os meios mais injustificáveis foram usados para ferir a
reputação de Armínio perante o governo e as igrejas. Armínio suportou esses
ataques com grande serenidade, mas não se defendeu publicamente até 1608,
quando se justificou de três maneiras diferentes; em primeiro lugar, em uma
carta para Hipólito, um Collibus, embaixador das Províncias Unidas do Eleitor
Palatino; em segundo lugar, em uma “apologia contra trinta e um artigos”, que,
embora escrita em 1608, só foi publicada no ano seguinte; e, por último, em sua
nobre “Declaração de Sentimentos”, emitida em trinta de outubro de 1608,
perante os Estados, em uma assembleia repleta de ouvintes em Haia.
No
início do ano seguinte, Armínio teve uma desordem biliosa, contraída por
trabalhos e estudos incessantes, e por permanecer sentado por muito tempo. Sem
dúvida, a inquietação e a angústia produzidas em sua mente pela malevolência de
seus oponentes contribuíram muito para essa enfermidade, que se tornou tão
violenta a ponto de fazer com que Armínio não fosse capaz de se levantar de sua
cama. Mas durante alguns meses, em intervalos, embora com grande dificuldade,
ele continuou a ministrar suas aulas e desempenhou outras atribuições de seu
cargo de professor, até o dia vinte e cinco de julho, quando realizou um debate
público sobre “a vocação dos homens para a salvação” (veja a página 509, que
foi o último de seus trabalhos na universidade. A agitação causada por algumas circunstâncias
ligadas a essa disputa produziu um violento paroxismo de sua doença, da qual
ele nunca se recuperou. Ele permaneceu em dor física aguda, mas sem redução de
sua alegria habitual, e com plena aquiescência à vontade de Deus, até o dia
dezenove de outubro de 1609. Naquele dia, por volta do meio-dia, nas palavras de
Bertius, “com os olhos voltados para o céu, em meio às orações fervorosas dos
presentes, Armínio entregou calmamente o seu espírito a Deus, enquanto cada um dos
espectadores exclamou: ‘Ó minha alma, permita que eu morra a morte dos
justos’”.
Assim viveu, e assim, com a
idade de 49 anos, morreu Jacó Armínio, distinto entre os homens pela virtude e
pela amabilidade de seu caráter privado, doméstico e social; entre os cristãos,
por sua tolerância para com aqueles que divergiam de suas opiniões; entre os
pregadores, por seu zelo, eloquência e sucesso; e entre os teólogos, por suas
fortes opiniões; embora suas visões teológicas fossem amplas e abrangentes, era
habilidoso ao argumentar, além de franco e cortês ao lidar com as
controvérsias. Seu lema era “Bona
Conscientia Paradisus”.
Divulgação: www.subsidiosebd.com | Fonte: As Obras
de Armínio. Vol I - 1ª edição: Agosto/2015 - CPAD