Por que uma atitude é
chamada de boa e correta e outra é classificada como má e incorreta? Quem define
o certo e o errado? Existem normas universais que podem ser aplicadas em
qualquer ocasião e lugar ou elas variam de acordo com as circunstâncias? Como a
filosofia encarou essas questões ao longo de sua história? Se existe uma norma
universal, em que ela se baseia — o que lhe dá essa autoridade?
E a ética
bíblica, sua definição de certo e errado, qual é? O que diferencia um
cristão em sua ética? Seria a ética cristã superior às demais? Como deve um
cristão se comportar em um mundo tão diversificado como o nosso? E possível obedecer
aos preceitos de Cristo?
Todas estas, e ainda outras
questões, se levantaram e se levantam no intuito de estabelecer um padrão ou um
julgamento para a ação dos homens.
I - TODOS AGEM CONFORME UM PADRÃO ÉTICO
De uma forma ou de outra,
todos agem conforme um padrão ético e se apoiam em diferentes pressupostos para
conferir validade aos seus critérios. Mesmo os que desconhecem a palavra e o
conceito que ele envolve se utilizarão de algum padrão para realizar suas
ações.
Sobre esta questão,
escreveu Marilena Chauí:
“Ao indagar o que são a virtude
e o bem, Sócrates realiza, na verdade, duas interrogações. Por um lado,
interroga a sociedade para saber se o que ela está habituada a considerar virtuoso
e bom corresponde efetivamente à virtude e o bem; e, por outro, interroga os
indivíduos para saber se, ao agirem, possuem consciência do significado e da
finalidade de suas ações, se o seu caráter ou a sua índole são virtuosos e
bons, realmente. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e
ao indivíduo”.
Com suas perguntas, esse
filósofo grego incomodou muitos de seus contemporâneos, levando-os alguns a
odiá-lo e outros a tornarem-se seus discípulos. Mas, com isso, ele estava
criando a filosofia moral ou a ética?
II - A ORIGEM DO CONCEITO DE ÉTICA
Qual é a fonte dos critérios
que um povo se utiliza para o certo e o errado? Esses critérios estão fora ou
dentro de nós? São criados pela sociedade ou não passam de normas passageiras?
Quebrar certos princípios é uma questão de escolha ou sempre que o fazemos as
consequências são irrevogáveis? Todas as éticas são válidas, todas as fontes
que geram conceitos éticos são igualmente válidas ou deve-se desconfiar das
mesmas?
Todos os povos têm uma
ética, que vêm de fontes variadas.
É comum conceitos que vieram
de fontes variadas coincidirem entre si. Esse fato corrobora com a ideia de
que certas normas éticas são válidas para todos os tempos e épocas.
Com um olhar geral sobre o
assunto, poderíamos citar alguns elementos que funcionam, geralmente, como
geradores de conceitos éticos e morais.
1. A TRADIÇÃO
Quando nascemos em uma
sociedade, já a encontramos cercada por determinados juízos de valores. Tomamos
as coisas como certas ou erradas porque isto já vem sendo feito a gerações.
Dessa forma, as noções de
bom e mau acabam sendo culturais. A poligamia, por exemplo, é aceita na
sociedade islâmica como algo normal, desde que haja fidelidade com as esposas.
No Ocidente, a poligamia é uma distorção do casamento, um padrão que pode ser
definido como imoral. Aqui, a tradição forneceu o padrão para as escolhas.
A verdade é que bons costumes
podem nascer da tradição. Esses bons costumes adquirem caráter de obrigatoriedade,
levando indivíduos ou grupos a adotá-los e guardá-los com extremo zelo. Isso sempre
foi comum em toda a história.
Mesmo na Bíblia
Sagrada, encontramos belos exemplos, como, por exemplo, o dos recabitas,
narrado no livro de Jeremias, que diz:
“Palavra que do Senhor veio a Jeremias, nos dias de Jeoaquim, filho de
Josias, rei de Judá, dizendo: Vai à casa dos recabitas, e fala com eles, e
leva-os à Casa do Senhor, a uma das câmaras, e dá-lhes vinho a beber. Então,
tomei a Jazanias, filho de Jeremias, filho de Habazinias, e a seus irmãos, e a
todos os seus filhos, e a toda a casa dos recabitas; e os levei à Casa do
Senhor, à câmara dos filhos de Hanã, filho de Jigdalias, homem de Deus, que está
junto à câmara dos príncipes, que está sobre a câmara de Maaseias, filho de
Salum, guarda do vestíbulo; e pus diante dos filhos da casa dos recabitas taças
cheias de vinho e copos e disse-lhes: Bebei vinho. Mas eles disseram: Não
beberemos vinho, porque Jonadabe, filho de Recabe, nosso pai, nos mandou,
dizendo: Nunca bebereis vinho, nem vós nem vossos filhos; não edificareis casa,
nem semeareis semente, não plantareis, nem possuireis vinha alguma; mas
habitareis em tendas todos os vossos dias, para que vivais muitos dias sobre a
face da terra em que vós andais peregrinando. Obedecemos, pois, à voz de Jonadabe,
filho de Recabe, nosso pai, em tudo quanto nos ordenou; de maneira que não
bebemos vinho em todos os nossos dias, nem nós, nem nossas mulheres, nem nossos
filhos, nem nossas filhas; nem edificamos casas para nossa habitação, nem temos
vinha, nem campo, nem semente, mas habitamos em tendas. Assim, ouvimos e fizemos
conforme tudo quanto nos mandou Jonadabe, nosso pai” (Jr 35.1-10).
Os recabitas pertenciam a
uma família de Israel que havia recebido de seu pai um princípio de abstinência
de vinho e considerava aquele mandamento algo de grande valor, que deveria ser
guardado. Aquele mandamento já possuía um valor moral para eles e para todos os
membros daquele clã: o vinho era vedado.
Não há nada errado com
esse tipo de procedimento. Toda sociedade estabelece preceitos, sendo muitos
deles introduzidos sabiamente em um tempo longínquo, cuja origem se perdeu no
fio da história. Muitas vezes, nem se sabe ao certo a origem daquele preceito,
que, quase sempre, é atribuído a um fato lendário.
O grande problema ocorre quando é atribuído um
valor divino a tal preceito que, na verdade, tem origem humana. Transgredir tal
mandamento passa a ser errado, como se a pessoa estivesse cometendo uma afronta
contra Deus. A distorção fica ainda maior quando este mandamento, origina- do
da boa vontade de alguém, passa a ser mais importante do que os mandamentos
verdadeiramente divinos. Então, se prefere o preceito do homem ao de Deus.
Foi este tipo de atitude ética
que Jesus criticou nos fariseus que haviam colocado a lei oral acima dos
mandamentos do próprio Deus:
“E reuniram-se em volta dele
os fariseus e alguns dos escribas que tinham vindo de Jerusalém. E, vendo que
alguns dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar,
os repreendiam. Porque os fariseus e todos os judeus, conservando a tradição
dos antigos, não comem sem lavar as mãos muitas vezes; e, quando voltam do
mercado, se não se lavarem, não comem. E muitas outras coisas há que receberam
para observar, como lavar os copos, e os jarros, e os vasos de metal, e as
camas. Depois, perguntaram-lhe os fariseus e os escribas: Por que não andam os
teus discípulos conforme a tradição dos antigos, mas comem com as mãos por
lavar? E ele, respondendo, disse-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas,
como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está
longe de mim. Em vão, porém, me honram, ensinando doutrinas que são mandamentos
de homens. Porque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos
homens, como o lavar dos jarros e dos copos, e fazeis muitas outras coisas
semelhantes a estas. E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para
guardardes a vossa tradição. Porque Moisés disse: Honra a teu pai e a tua mãe
e: Quem maldisser ou o pai ou a mãe deve ser punido com a morte.
Mas vós dizeis: Se um homem
disser ao pai ou à mãe: Aquilo que poderias aproveitar de mim é Corbã, isto é,
oferta ao Senhor, nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe,
invalidando, assim, a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes.
E muitas coisas fazeis semelhantes a estas” (Mc 7.1-13).
Jesus conhecia muito bem a
lei oral e até as praticava, pois ela estava enraizada no judaísmo daquele
tempo. Podemos até dizer que havia muita coisa boa nesta lei oral e muitos dos
preceitos éticos realmente ajudavam as pessoas. O problema é que estas
tradições foram colocadas no mesmo patamar da Palavra inspirada de Deus. Ou
melhor, algumas vezes, era colocada acima da própria Palavra de Deus.
Regras nos ajudam e até é fundamental
para a vida cotidiana, mas há uma diferença profunda entre a regra humana e o
preceito divino. Doutrinas de homens são doutrinas de homens; a revelação
divina é a revelação divina. Sobre isso, escreveu o apóstolo Paulo, dizendo:
“Tende cuidado, para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e
vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e
não segundo Cristo” (Cl 2.8).
2. O SENSO COMUM
Alguns não sabem explicar,
de fato, porque determinada coisa é certa ou errada. Mentir, roubar, matar,
entre outras, seriam atitudes condenáveis, porque todo mundo assim considera. A
força da opinião pública exerce imensa influência sobre as ações dos
indivíduos, de forma que, se algo não é aceito pela totalidade da comunidade ou
pelo menos pela maioria, não deve ser praticada.
Geralmente, o que acontece é
uma quebra lenta, em certas ocasiões, ou uma quebra brusca desses parâmetros.
Certos costumes vigentes começam a ser contestados, sua validade questionada e,
aos poucos, os padrões vão sendo modificados. Podemos tomar como exemplo as
formas de vestir. Certas roupas hoje, consideradas adequadas, foram tidas por
indecentes em outras épocas.
Não estamos aqui discutindo
a validade de nenhum padrão ou afirmando que o senso comum é normativo nas
questões do certo e errado. Estamos apenas verificando que, muitas vezes, o
meio em que se vive tem fornecido os padrões que as pessoas se utilizam para se
conduzir. O que Sócrates começou a fazer foi justamente levar as pessoas a
analisarem se suas atitudes eram regidas pela reflexão e pela busca do bem ou
por mero automatismo impulsionado pelo meio.
3. A LÓGICA
A filosofia, com sua análise
lógica dos conceitos, também se colocou como uma forma de descobrir qual é o
melhor parâmetro a ser aceito. Principalmente, o iluminismo, com sua Idade da
razão, se colocou como o único e definitivo árbitro do certo e errado sobre a
terra.
Achar um padrão válido para
todas as questões éticas já seria algo extremamente difícil. Fazer com que esse
padrão pudesse ser aceito por todos e aplicados por todos é mesmo impossível.
Como resultado, a ética continuou sendo fonte de inúmeros conflitos.
Até porque, a filosofia
ateísta procurou elaborar uma ética à parte da revelação divina. E essa ética
procurava se base- ar em preceitos considerados científicos em seus princípios.
Nem sempre as consequências foram boas. Podemos analisar uma pequena amostra
quando vemos os resultados do darwinismo, quando este invadiu o campo da ética.
Referência:
Enciclopédia Estudos de Teologia: As principais doutrinas cristãs com
explanação detalhada e objetividade. Vol. III.
Editora:
SEMEIE