Na sua edição eletrônica de
28 de maio, a revista Veja trouxe uma matéria intitulada O novo boom da ioga no
Brasil. A reportagem mostra que a Ioga, apesar de ser praticada por menos de 1%
da população brasileira, passou
a despertar um maior interesse com a exibição da novela global Caminho
das índias. De fato, o folhetim global, ao misturar ficção com realidade, tem
tornado mais digerível essa prática milenar do hinduísmo.
Todavia, a assimilação que as
massas têm feito dessa forma de hinduísmo virtual não se ajusta à realidade. A
noção que parece ficar é que a ioga é apenas uma técnica de relaxamento
corporal, um meio eficaz para se fugir do estresse e, em alguns casos, até mesmo
uma forma de perder peso e acabar com a celulite.
VEJA TAMBÉM:
Os adeptos da ioga no Brasil
têm demonstrado preocupação com essa forma de popularização da ioga, pois,
segundo eles, isso cria uma confusão de conceitos. E o que observa Marcos Rojo,
professor de ioga e coordenador do curso na Universidade de São Paulo. Ele
lembra que "essa é uma visão ocidental de uma prática que segue outra
linha de pensamento; na ioga, o corpo é a estratégia para adquirir um estado
calmo e controlado, e não um objeto de vaidade".
Nesse conceito dado, observa-se que, na
ioga, o corpo, longe de ser um fim em si mesmo, é apenas um instrumento para se
alcançar um objetivo maior: um estado calmo e controlado. Em palavras mais
simples, enquanto os exercícios aeróbicos, por exemplo, buscam moldar o corpo,
objetivando a sua perfeição, a ioga, ao contrário, busca, através da disciplina
desse mesmo corpo, o domínio do espírito sobre a matéria. A ioga, portanto, não
é apenas um conjunto de exercícios físicos, mas, acima de tudo, uma prática espiritual.
Fica óbvio que não se pode
compreender corretamente a ioga fora do contexto religioso do hinduísmo. Bruce
Bickel destaca que "A ioga fornece ao hindu o método para alcançar a
liberdade. A postura da ioga - cabeça ereta, coluna reta e controle da
respiração — permite quê o hindu alcance a concentração suprema. O hindu, por
intermédio do olhar fixamente alguns símbolos sagrados e do recitar certos sons
sagrados, aproxima-se da união mística com o absoluto, a alma do mundo".
Conhecer a cosmovisão hindu
nos ajudará a entender os pressupostos da Ioga. O filósofo Jostein Gaarder faz
um contraste entre as religiões ocidentais e orientais. Gaarder observa que
para as religiões orientais, e isso inclui o hinduísmo, "o divino está
presente em tudo. Ele se manifesta em muitas divindades (politeísmo) ou como uma força impessoal que
permeia tudo e a todos (panteísmo)". Essa visão de um deus que povoa o
universo na forma de uma energia impessoal que pode ser canalizada é o fascínio
das crenças orientais. Sendo assim, "o homem pode alcançar a união com o
divino mediante a iluminação súbita e o conhecimento". Os exercícios
praticados pelos iogues visam a esse fim. Nesse contexto, o conceito de
redenção se diferencia diametralmente do cristianismo. Gaarder ainda observa
que, no contexto da cultura oriental, "A salvação é se libertar dó eterno
ciclo de reencarnação da alma e do curso da ação. A graça vem por meio de atos
de sacrifício ou do conhecimento". A ioga entra como um dos caminhos para
se alcançar essa redenção.
Merecem nossa atenção como o
hinduísmo formou essa forma de enxergar o mundo e como a ioga materializa tudo
isso. Os historiadores observam que "a palavra hindu provém da palavra
sânscrita shindu, cujo significado é 'rio' e, mais especificamente, o
rio Indo". Foi por volta de 2000 a.C. que os arianos chegaram à índia, e
com eles os fundamentos que originariam o hinduísmo védico. Nesse primeiro estágio
do hinduísmo, a noção religiosa que prevalecia era a crença em muitos deuses tribais
e cósmicos. Posteriormente, a ideia de um poder criador evoluiria para aquilo
que os Vedas, livro sagrado do hinduísmo, identificariam como sendo Brahma,
isto, é o senhor absoluto.
Em um segundo estágio do
desenvolvimento da religião hindu, Brahma se sobressai sobre as duas outras
divindades principais, que são respectivamente Vishnu e Shiva. É
exatamente nesse estágio que o cerimonialismo hindu se torna mais diversificado
e o ritualismo mais complexo.
Alguns novos conceitos são
acrescentados, tais como Samsara e Karma.
O
samsara é um
processo de transmigração da alma humana, onde uma pessoa pode reencarnar tanto
na forma de uma outra pessoa como também na forma de um animal.
Por
outro lado, o karma seria,
a grosso modo, aquilo que nós ocidentais conhecemos como a lei de causa e
efeito. Surge também, por vontade dos deuses, o sistema de castas. Há a casta
dos sacerdotes (brâmanes), dos guerreiros, dos agricultores, comerciantes e
artesãos, e servos. Não se sabe precisar ao certo quando surgiu na sociedade
indiana o sistema de castas, mas o certo é que no inicio do século 20 havia
certa de três mil delas.
A constituição indiana de
1947 procurou acabar com o grande abismo que o sistema de castas criou entre as
classes sociais, mas a tradição tem demonstrado maior força do que a imposição
da lei.
Os estudiosos das religiões
comparadas destacam as vias de salvação ensinadas pelo hinduísmo. No primeiro
período do hinduísmo, isto é, no período védico, a crença no karma e na
reencarnação eram vistas como positivas, mas no período bramâ-nico isso passou
a ser visto como algo extremamente negativo.
As vias de salvação são meios
para se quebrar esse ciclo vicioso. As três vias são respectivamente a via
do sacrifício (nessa via, os hindus procuram fazer boas obras para obterem
bênçãos terrenas), a via do conhecimento (esse conhecimento é adquirido
quando se tem consciência que o atmã,
isto é, a alma e o brahman, isto é, o
mundo espiritual, são a mesma coisa) e a via da devoção, que é a via da
ioga. A Enciclopédia Barsa observa que a ioga
"tem como objetivo, mediante exercícios corporais, o domínio absoluto do
espírito sobre a matéria e a união com a divindade". Esse amalgamamento da alma (atmã) com a divindade . (Brahman) é o
coração da ioga.,, A propósito, ioga em sânscrito significa "união".
As técnicas corporais são somente os meios para que esse fim seja alcançado.
O apologista cristão Dave
Hunt observa que "o alvo da ioga é a 'auto-realização' — olhar
profundamente para o que deveria ser o templo do único Deus verdadeiro e ali
descobrir o Verdadeiro eu ou o 'Eu Elevado', e declarar que tal ego é
Deus".
A ioga não pode, portanto, ser confundida apenas como uma
técnica corporal neutra ou mesmo como uma simples filosofia de vida, mas deve
ser entendida como o que de fato é: um dos muitos sistemas religiosos ou
escolas do hinduísmo.
A ioga entroniza o
"eu"; o cristianismo o destroniza. Não devemos esquecer o que disse o
Rabi R. Maharaj, um ex-guru hindu convertido ao cristianismo: "Não existe hinduísmo
sem Ioga e não existe Ioga sem hinduísmo". Não se pode praticar
a ioga sem se levar em conta os princípios espirituais do hinduísmo que lhe dão
fundamentação. "Cristianizar" a ioga é mais perigoso que colocar o
nome "açúcar" no rótulo de um poderoso veneno.
Fonte: Jornal Mensageiro da Paz, Julho de 2009
Artigo: PR. José Gonçalves
Acervo: EV. Jair Alves