Neste segundo trimestre de
2017 as classes de Escola Dominical de jovens, em todo o país, terão a
oportunidade de estudar o mais célebre dos sermões de Jesus Cristo. Apresentado
em uma versão mais curta em Lucas (6.20b-49), conhecida como "Sermão da
Planície", e na versão longa, de Mateus 5 a 7, a mais conhecida,
popularmente chamada de Sermão do Monte.
Para além das conhecidíssimas
Bem-aventuranças (5.3-11), do Pai-Nosso (6.9-13) e da Regra de Ouro (7.12), o
Sermão do Monte constitui um dos textos mais difíceis de ser interpretado,
sobretudo, se tal exercício tiver como lente uma ótica paulina. Em que aspecto
reside a dificuldade? O que pode haver em textos tão claros para se pensar
assim? A natureza radical das reivindicações leva a pensar que o material não
apenas não é Evangelho, mas trata-se de algo "pior", ou mais
rigoroso, que a própria Lei. Na verdade, a questão engloba o relacionamento do
próprio Mestre com a Lei. Afinal, Ele a aboliu, reafirmou ou a transcendeu?
LEI OU EVANGELHO
Desde o primeiro século esta
dúvida ocupa lugar entre os temas teológicos mais debatidos dos estudiosos. Tal
questão deriva-se do fato de que os imperativos que surgem no transcurso do
Sermão do Monte parecem não deixar margem para a dúvida de que o ingresso no
Reino de Deus, e consequentemente a salvação, depende da obediência às suas
reivindicações (5.20,48; 6.13,14,21). Ocorre, todavia, que elas vão muito além
do que a Lei poderia imaginar e prescrever. Isso em se tratando, tanto da Tora,
como também da Halaká (a tradição dos anciãos).
Joachim Jeremias apresenta três das
principais respostas, entre as múltiplas soluções que a referida pergunta
recebeu ao longo do tempo:
1) A concepção
perfeccionista;
2) A teoria do ideal
inatingível e
3) Uma ética de
emergência. Vale a pena abordar, ainda que resumidamente, as três teorias, ou
perspectivas, mencionadas.
A primeira
"solução" afirma que no "Sermão da Montanha, Jesus indica a seus
discípulos o que ele exige deles; mostra-lhes a vontade de Deus e como sua vida
deve ser por elas comandada".
Após expô-la com mais detalhes, o teólogo
alemão diz que através desta posição torna--se difícil chegar ao sentido do
Sermão, visto que "Jesus não era um Doutor da Lei, nem um Mestre de
Sabedoria de seu tempo: sua mensagem rompeu as barreiras do judaísmo".
A chamada "teoria do ideal
inatingível", que pelo nome já indica o que ela ensina, de alguma forma
foi exposta pelo médico Paul Tournier ao dizer que, somente encarado desta
forma o Sermão do Monte pode livrar a pessoa da culpa neurótica. Entretanto, a
objeção a esta interpretação, de acordo com Jeremias, se dá pelo fato de que
ela é o "exemplo típico do que sucede quando se interpreta Jesus por
Paulo, em vez de interpretar Paulo por meio de Jesus".
Por fim, a "ética de
emergência", ao contrário da anterior baseada na "exegese
paulinizante", trata-se de uma interpretação que, devido à influência da "fé
no progresso e no protestantismo cultural (Kulfurprotesfantismus), [...]
considera a mensagem de Jesus como uma ética cultural", isto é, válida
apenas para o seu próprio tempo e dependente da ideia apocalíptica que apregoa
um fim próximo. Assim, os altos conceitos do Sermão do Monte só poderiam ser
observados por causa do pensamento da iminência do fim e, portanto, com
validade temporária. Jeremias objeta essa posição dizendo que é
"absolutamente certo que Jesus não ditou normas excepcionais válidas apenas
temporariamente", pois, continua o mesmo autor, "suas palavras têm
valor não só para o tempo que precede o fim, mas também para o que virá depois
(Mc 13.31)". O teólogo alemão finaliza essa parte de sua discussão dizendo
acerca dessas soluções que a "primeira teoria faz dele [Jesus] um doutor
da Lei; a segunda, um arauto da penitência; a terceira, um apocalíptico".
J.
Jeremias apresenta sua perspectiva dizendo que "o Discurso
da Planície é um conjunto de sentenças isoladas, proferidas por Jesus em diferentes
ocasiões" e, continua ele, o "mesmo se dá com o Sermão da
Montanha" que "nos apresenta, pois, um agrupamento de palavras de
Jesus, que na origem estavam isoladas"8, isto é, consiste de ensinamentos
sobre diversos assuntos que, conforme pode ser visto em uma comparação do
Sermão do Monte de Mateus e do Sermão da Planície de Lucas, vistos lado a lado,
de forma interlinear. Após a explicação da estrutura, o mesmo autor informa o
porquê de tal ser assim. Especialista em cultura judaica, J. Jeremias explica
que "nos primeiros tempos do cristianismo, a pregação era feita sob dupla
forma: a proclamação e o ensino, o querigma e a Didaquê".
A primeira trata-se da
"pregação missionária aos judeus e aos gentios". Assim é que,
"pregar Jesus, anunciar que ele nos reconciliou e que ele é a nossa paz é
isto o querigma". Deste, é preciso "distinguir a Didaquê, que é o
ensino, a pregação à comunidade".
A conclusão do mesmo autor
"é que, em seu conjunto, o Sermão da Montanha, é, juntamente com a
Epístola de Tiago, o exemplo clássico de Didaquê destinada à comunidade cristã
primitiva". As implicações desta conclusão é que
O Sermão da
Montanha possui uma estrutura bem clara. Seu tema acha-se exposto em Mt 5.20:
"Se vossa justiça não ultrapassar a dos escribas e dos fariseus, não
entrareis no Reino dos céus". A interpretação mais comum tende a colocar
aqui escribas e fariseus em pé de igualdade. Mas de fato se trata de dois
grupos bem distintos: os escribas são os mestres de teologia, que se formaram
depois de anos de estudo; os fariseus, ao contrário, não são teólogos, e sim
grupos de leigos piedosos, presentes em todas as partes do país — comerciantes,
operários, artesãos; apenas seus líderes eram teólogos. Conforme Josefo, havia
na Palestina, no século l d.C., seis mil fariseus.
Com esta
corretíssima distinção entre estes dois grupos em mente, diz J. Jeremias,
"percebe-se que Mt 5.20 fala de três espécies de justiça, e a isto
corresponde exatamente a construção do Sermão da Montanha: este trata
sucessivamente da justiça dos teólogos, da dos leigos piedosos e da dos
discípulos de Jesus".13 Nesta perspectiva, que inclusive foi seguida para
o comentário da revista, o Sermão do Monte teria não uma ética para os
discípulos de Jesus, repetindo inclusive a Lei, mas três tipos de justiça e,
apenas uma delas, a mais difícil, diga-se de passagem, é a dos discípulos.
Desta forma, o Sermão fica assim dividido:
Com efeito, após a
introdução (5.3-19) e o enunciado do tema (5.20), a primeira parte do Sermão
mostra a controvérsia entre Jesus e os teólogos sobre a interpretação da
Escritura (as seis grandes antíteses de Mt 5.21-48: "Eu, porém, vos
digo..."). Na segunda parte, é à justiça dos fariseus que Jesus se opõe e,
efetivamente, a esmola, a observância das três horas de oração e o jejum
caracterizam esses piedosos grupos de leigos (6.1-18). A última parte expõe a
nova justiça dos discípulos de Jesus (6.19—7.27). O tema desta didaquê
tripartida é, portanto, o comportamento do cristão em oposição ao dos seus
contemporâneos judeus.
O Sermão do Monte é, sem
dúvida alguma, Evangelho. Da mesma forma justiça, mas de um tipo jamais
imaginado pêlos antepassados de Israel ou mesmo pelos judeus. É deste
aprendizado que nos ocuparemos neste trimestre.
Fonte:
Por: César Moisés
Ensinador Cristã, n° 70 –
CPAD
Reverberação: Subsídios EBD