Dom Pedro II desde a sua
juventude acalentava o desejo de conhecer a língua hebraica”, destaca Kurt
Loewenstamm em O hebraísta no trono do Brasil (São Paulo: Centauro, 2002). “Amo
a Bíblia, leio-a todos os dias, e quanto mais a leio, mais a amo”, disse certa vez
o monarca. Seu conhecimento do hebraico começou por acaso, quando encontrou num
banco de jardim do Palácio de São Cristovão uma gramática hebraica, esquecida
por um missionário sueco. Convocado ao palácio, o clérigo acabou por aceitar o
convite de Dom Pedro para tornar-se o seu professor.
Rapidamente, Dom Pedro
iniciou-se no idioma sagrado.
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Loewenstamm conta que o imperador, em pouco
tempo, vertia do hebraico para o latim vários livros da Bíblia, entre estes
Isaías, Jó, Salmos, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos e outros. Já em
Petrópolis, sob a orientação de outro professor, também sueco, chamado
Akerblom, Dom Pedro mostrou progressos extraordinários. Foi contratando, sucessivamente,
novos professores. A história registra os nomes do orientalista Dr. Koch e, depois,
do Dr. Henning. Quando Koch faleceu, em Petrópolis, Dom Pedro escreveu o
epitáfio do amigo em latim, grego e hebraico. Quando esteve em São Francisco,
na Califórnia, o imperador visitou uma sinagoga. Nela, foi-lhe proporcionado
pelo rabino o ensejo de fazer a preleção do capítulo da Torá daquele dia. O
estudo do hebraico levou o monarca a estudar também a história e a literatura
judaicas.
Em 1877, em Paris, estudou a
obra de Rabinowitz, La législation Criminelle du Talmud [A legislação criminal
do Talmude]. Em Cannes, em 1888, encontrou-se com o rabino-chefe de Marselha,
Benjamin Mossé, numa reunião que durou mais de duas horas. Ao sair, o rabino
Mossé, segundo atesta o historiador Eduardo Prado, declarou: “Majestade, sois
mais que um Imperador, sois um filósofo e um sábio!”
O imperador foi ao Oriente
Médio, visitando a Síria, o Egito, o Líbano e, principalmente, Israel.
Claro, o ponto alto de sua
visita foi Jerusalém: “Jerusalém”, escreveu ele em carta ao ministro francês Gobineau,
“pela sua posição elevada domina quase toda a Terra Santa e produz o efeito
mais surpreendente, qualquer que seja o lado pelo qual se lhe aproxima. A ela
cheguei três vezes”.
Depois da queda da
monarquia, no seu exílio europeu, Dom Pedro estudou o hebraico e o provençal, editando
em 1891 um pequeno livro, Poésies Hebraico-Provençales du Rituel Israélite —
Contadin, Traduites et transcrites par S. M. Dom Pedro II d’Alcantara, Empereur
Du Brésil (Avignon).
O volume, de 76 páginas,
contém uma introdução na qual o imperador faz observações sobre os seus estudos
do hebraico, esclarece sobre os poemas traduzidos — dos quais dá as versões
hebraica e provençal.
São Piutim, cânticos
litúrgicos sinagogais, um comentário sobre o livro de Ester e o hagadá,
cerimonial tradicional de Pessach (Páscoa judaica). O provençal era um idioma judaico
falado em Provence, França, enriquecido por termos hebraicos e árabes, escrito
com caracteres hebraicos (com o que se assemelha, estruturalmente, ao ídiche,
ao ladino e à hakitia). Hoje em dia, é falado — e assim mesmo por poucos judeus
— só na região de Marselha.
Esse amor do imperador pela
cultura judaica explica a política amistosa para com os israelitas, desenvolvida
pelos vários governos da monarquia, inclusive e sobretudo no estímulo à
imigração e à cooperação com as várias entidades envolvidas na questão judaica.